«Eis o Coração que tanto amou os homens, que não poupou nada até esgotar-se e consumir-se, para lhes testemunhar seu amor; e por reconhecimento não recebe da maior parte deles senão ingratidões.»(Sagrado Coração de Jesus a Santa Margarida Maria Alacoque)

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019


CATECISMO DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS


Coração amantíssimo de Jesus


SEGUNDA PARTE 


O REINADO DO CORAÇÃO DE JESUS. COMO ELE DESEJA REINAR ?


II

AS DUAS LEIS FUNDAMENTAIS DO REINADO DO SAGRADO CORAÇÃO
(Continuação)


O princípio fundamental que deve governar os súditos deste divino Rei, podem ser enunciados desta forma: O Sagrado Coração quer reinar por amor.

E assim quer por dois motivos: porque nos ama, e porque não é amado. Daí deduzem-se duas leis gerais: o amor e a reparação.

Porque nos ama, quer que lhe paguemos amor com amor; porque não é amado, pede que lhe ofereçamos reparações, e essas reparações devem ser feitas especialmente por amor. Rei incomparável que assim nos diz: «Amai-me, porque eu vos amo! Amai-me, porque não sou amado».

8) Qual a primeira lei do reinado do Sagrado Coração?

Primeiramente mostraremos que o amor é a primeira lei dada pelo Coração de Jesus aos seus servos, e em seguida indicaremos os motivos, o caráter e as qualidades deste amor.

9) O Coração de Jesus quer reinar por amor?

«O fim principal da devoção ao Sagrado Coração, diz Santa Margarida Maria1, é converter as almas ao amor deste divino Coração, e fazê-lo senhor e possuidor dos nossos corações, retribuindo-lhe amor com amor. Um2 dia vi um coração a arder todo em chamas, e ouvi estas palavras: "Tenho sede; desejo ardentemente ser amado”».

«O meu amabilíssimo Salvador fez-me conhecer: 1º. que o ardente desejo que tem de ser amado lhe fez conceber o desígnio de manifestar aos homens o seu Coração, com todos os tesouros de amor, de misericórdia, de graça, de santificação e de salvação, que ele encerra; 2º. que é necessário honrar esse amor na figura deste coração de carne; e 3º. que esta devoção é o último esforço do amor divino para nos dar a doce liberdade deste reino de amor».

10) Quais os motivos que nos obrigam a amar o Sagrado Coração?

Santa Margarida Maria indica principalmente nove títulos [motivos], que o Sagrado Coração oferece ao nosso amor:

1º. É o Coração do nosso Criador e do nosso Juiz. «O Coração amabilíssimo do meu bom Mestre3 é o Coração de um criador e de um juiz: quer [receber] o amor e a homenagem das suas criaturas, escreve ela».

2º. É o Coração do melhor dos Pais, «que me gerou na cruz, no meio de grandes sofrimentos, e é justo que lhe pertençamos sem reserva, e que nos lancemos confiadamente nos seus braços que, por nosso amor, estendeu na cruz».

3º. É o Coração de um bom Pastor. «Contemos os passos que este soberano Pastor têm dado nos procurando. Devemos agradecer-lhe e unir os nossos aos seus, pedindo-lhe a graça de caminhar sempre pela estrada do seu amor, dizendo-lhe muitas vezes: Ah! meu amável Pastor, desprendei-me de todas as coisas terrenas e de mim mesmo, para que só me una a vós. Falai ao meu coração, e atraiu-o tão fortemente ao vosso amor, que não possa resistir-vos».

4º. É o Coração do nosso Soberano, que se regozija vendo-nos combater; seja a nossa satisfação sermos-lhe fiéis, e digamos-lhe: «Ó Senhor, o meu coração pertence-vos! Não permitais que ele se ocupe senão de vós, que sois o preço das minhas vitórias e o sustentáculo inabalável da minha miséria».

5º. É o Coração de um piloto hábil e dedicado. «É necessário entrarmos na chaga do Sagrado Coração como pobres viajantes, expostos a um contínuo naufrágio no mar tempestuoso deste mundo, se nos falta o socorro do nosso hábil piloto, a cujos cuidados devemos nos entregar confiadamente. O nosso cuidado deve ser amá-lo e agradar-lhe, e assim dizer muitas vezes a Nosso Senhor: Meu Deus, Vós sois o meu tudo, a minha vida e o meu amor! Salvai-me, e não me deixeis perecer no abismo das minhas iniquidades».

6º. É o Coração do nosso Salvador. «Consideremos o amável Coração de nosso Senhor Jesus Cristo como o Coração do nosso Libertador, que morreu de amor por nós».

7º. É o Coração de um bom Mestre e de um sábio Diretor. «Um dia, escreve a Bem-aventurada [hoje, Santa], apresentou-se diante de mim o amado da minha alma, e disse-me, mostrando-me o Coração. “Eis o Mestre que te dou, e que te ensinará o que deves fazer por meu amor”. Isto ficou de tal modo impresso no meu espírito, que nunca mais o pude esquecer. Consideremos, pois, o Coração de Jesus como nosso Mestre, que nos ensinará a conhecê-lo e amá-lo com toda a nossa alma, com todas as nossas forças e potências, pois nesse amor está a nossa alegria e felicidade. É um diretor tão bom que, ao mesmo tempo que ensina, proporciona os meios de pôr em prática as suas lições, ou ainda melhor, ele próprio é esse meio e essa prática» .

8º. É o Coração de um benfeitor generoso, «que se compraz em fazer ricos aos necessitados, – e de um Mediador omnipotente, que sem cessar intercede pelo mundo culpado.

9º. É o Coração de um amigo. «Considerai nosso Senhor como um verdadeiro e perfeito amigo, diz a Bem-aventurada. Olhando-o assim, podemos dizer-lhe todos os segredos do nosso coração, patentear-lhe as nossas misérias e necessidades, como aquele que exclusivamente as pode remediar. Digamos-lhe:

Ó amigo do meu Coração, aquele que amais está enfermo. Visitai-me e curai-me; bem sei que não podeis amar-me e ao mesmo tempo desamparar-me».

11) Como nos mostra Nosso Senhor o amor de um amigo?

A amizade supõe certa igualdade entre os amigos, reciprocidade nos afetos e troca mutua de bens. Ora, Nosso Senhor fez-se semelhante a nós na Encarnação; pede por isso amor por amor, e depois de nos ter dado com o seu Coração tudo o que tem e tudo o que é, convida-nos a que nos consagremos inteiramente a ele.

Ademais, no amor que o Coração de Jesus nos tem, encontram-se todas as qualidades de uma amizade perfeita.

12) Qual é a primeira qualidade da amizade?

É a sinceridade, que faz com que não amem só com palavras, mas mostremos essa afeição por obras. Assim foi e assim é o amor de Nosso Senhor ara conosco.

«Mas, meu Deus, como é grande este amor do Coração de Jesus, exclama a Santa4. Este Coração adorável amou tanto os homens, que para lhes testemunhar o seu amor morreu na árvore da cruz, e ainda hoje se consome de amor no SS. Sacramento».

13) Qual é a segunda qualidade da amizade?

A indulgência e uma bondade misericordiosa é o segundo traço distintivo do amor que o Sagrado Coração nos tem.

«Então minha querida mãe, escrevia a Santa à Madre de Saumaise, que diremos do Coração Sagrado do nosso amabilíssimo Jesus? O seu amor é cheio de misericórdia. Ainda não tinha reparado em tanta misericórdia. Cerca-me por todos os lados, sinto-me abismada nela e dela não posso sair. Oh! que grandes são as misericórdias e liberalidades do meu soberano Senhor! São tão abundantes em mim, que nem posso explicá-las, nem distingui-las. Muitas vezes só assim me posso exprimir: Misericordias Domini in deternum cantabo! E que mais poderei eu dizer?»

14) Qual é a terceira qualidade da verdadeira amizade?

É uma constância inabalável, e é assim que Nosso Senhor nos ama.

«Este amável Coração, escreve a Santa, não cessa de se consumir em amor para conosco. Ama-nos tão ardentemente, que está sempre abrasado de amor no SS. Sacramento».

15) Qual é a quarta qualidade do amor que nos tem o Sagrado Coração?

O amor da amizade do Coração de Jesus tem uma quarta qualidade, que não se encontra nas amizades humanas: é um amor universal.

Entre os homens o círculo dos amigos é muito restrito. Nosso Senhor ama-nos a todos com amor de amizade, ainda que não a todos igualmente, pois têm os seus privilegiados.

16) Quais são as almas que o Sagrado Coração ama com predileção?

O Sagrado Coração tem uma solicitude muito particular pelas almas aflitas, pelas almas tíbias e pelas almas fervorosas.

17) Como é que as almas mais provadas têm por isso a predileção do Coração de Jesus?

«Ah! minha querida irmã, escrevia Santa Margarida Maria a uma noviça, a quem torturavam muitas inquietações de espírito, se compreendêsseis a ardente caridade de Nosso Senhor para conosco, facilmente veríeis que todas essas permissões e disposições são provas do seu amor. Aquilo que julgais serem rigores da sua justiça, são unicamente manifestações da sua amorosa bondade. Por isso vos digo: quanto tendes que a gradecer ao Coração do nosso divino Mestre, que tanto vos ama! Desta maneira, é que ele purifica as almas como o ouro no crisol, e lhes tira toda a liga.

18) Por que razão tem Nosso Senhor uma espécie de predileção para com as almas tíbias?

O Coração de Jesus manifestou muitas vezes a Santa Margarida Maria que há outra classe de pessoas, com que ele usa de uma ternura particular: são aquelas almas que, depois de terem sido fervorosas, caíram na tibieza.

Quantas vezes ele lhe pediu que se sacrificasse por essas almas negligentes! Acaso um amigo fiel pode esquecer um amigo ternamente amado, mas infiel?

«A graça que assim vos persegue, apesar das vossas continuas reincidências, escreve a nossa Bem-aventurada a uma dessas almas negligentes, é tudo o que há de melhor, por que isso prova o desejo ardente que Deus tem de salvar a vossa alma, mas não o fará sem a vossa cooperação. Por esta razão conheço que o Senhor vos ama, e quereria ver-vos adiantar no seu amor».

19) Quais são as almas que o Coração de Jesus ama com maior de predileção?
Coração de Jesus, Bom Pastor

As almas que o Coração de Jesus ama com maior predileção são as almas fervorosas, diz Santa Margarida Maria, como a medida do seu amor é o grau de fervor que sentem os seus servos assim, a alma que for mais humilde penetrará mais no íntimo do Coração de Jesus; a mais pobre e despojada de tudo possuí-la-á mais perfeitamente; a mais mortificada receberá maiores carícias; a mais obediente fá-lo-á triunfar; a mais caritativa será a mais amada; a mais silenciosa será a mais ensinada. O excesso do seu amor inscreverá os seus nomes neste Coração Sagrado.

20) Qual é a quinta qualidade do amor do Sagrado Coração para conosco?

O amor do Sagrado Coração tem ainda mais um distintivo: é a fidelidade. Com efeito, ama-nos apesar das nossas infidelidades para com Ele, apesar da nossa indiferença a seu respeito; ama-nos não obstante as nossas ingratidões e ultrajes; o próprio ódio não é capaz de triunfar deste amor. Amigo sempre fiel, vai em busca de seus inimigos, procurando vencê-los à força de amor. Aquae multa non potuerunt extinguere charitatem.5 «O Sagrado Coração, diz a Santa, cobriu a nossa alma com o manto da sua caridade, para não nos privar da sua misericórdia».

21) Qual deve ser o sinal distintivo do nosso amor ao Sagrado Coração?

Com uma só palavra podemos indicar o distintivo do nosso amor ao Coração de Jesus: devemos testemunhar-lhe um amor de amizade.

22) Como podemos ter a Nosso Senhor um amor de amizade?

1º. Esforçando-nos por imitá-lo e tornarmo-nos semelhantes a Ele, sobretudo na mansidão e na humildade.

2º. Dando ao nosso amor para com Nosso Senhor os mesmos caracteres que encontramos no amor de Nosso Senhor para conosco.

23) Como poderemos testemunhar ao Sagrado Coração a sinceridade do nosso amor?

Fazendo por seu amor todos os sacrifícios que nos pedir.

24) Como poderemos testemunhar ao Sagrado Coração um amor misericordioso?

Compadecendo-nos das suas dores, e esforçando-nos por consolá-lo dos ultrajes que recebe, e repará-los.

25) Como poderemos corresponder ao amor constante que o Sagrado Coração nos tem?

Dedicando-nos ao seu serviço, não obstante os sacrifícios que tivermos de fazer. «Custe o que custar, diz a Bem-aventurada, perseveremos no amor deste Coração Sagrado, para darmos algum retorno ao amor que nos reserva liberalidades maiores do que aquelas que já nos têm concedido. Mas não paremos aqui: é preciso ir até ao fim, sem cansaço nem desânimo com o trabalho que tivermos, porque tudo é para glória de Deus e santificação da nossa alma».

26) Como poderá ser universal o nosso amor ao Sagrado Coração?

Em certo modo podemos imitar esta qualidade do amor do Sagrado Coração, amando todas as criaturas, como ele mesmo as ama, nele e por ele.

27) Como há de ser fiel o nosso amor ao Coração de Jesus?

«Nada se pode comparar ao amigo fiel» , diz o Espírito Santo6. A fidelidade supõe um amor extraordinário, acompanhado de uma dedicação sem limites e de uma delicadeza excepcional, que se estende a todos os instantes da vida, e está disposta a vencer todos os obstáculos que se lhe apresentem.

«Para empregar bem o tempo, diz Santa Margarida Maria, é preciso que sejamos inviolavelmente fiéis a Deus, ao Coração Sagrado de Nosso Senhor, a nós mesmos, às nossas regras comuns e ao nosso regulamento particular, e isto, custe o que custar, seja qual for a violência que tenhamos de fazer».

28) Quais são as qualidades deste amor de amizade que devemos testemunhar ao Sagrado coração?7
"Eis aqui o Tabernáculo de Deus entre os homens"

Santa Margarida Maria indica um grande numero delas, que podemos dividir em três classes: «O que pede o Coração de Jesus aos seus amigos, diz ela8, é a pureza de intenção, a humildade nas obras, e a unidade no desejo» . Segundo este divino programa, podemos dividir este amor ou as qualidades dele em três classes, conforme dizem respeito: 1ª. a pureza do coração e da intenção; 2ª. a prática das virtudes, especialmente a da humildade; 3ª. a perfeição do amor divino, ou a união perfeita com o Coração de Jesus.

Contentemo-nos com uma rápida exposição de todas elas.

29) Quais são as qualidades que formam a primeira classe, ou que se referem à pureza do coração?

A Santa indica quatro principais:

1º. O amor ao Sagrado Coração deve ser timorato, isto é, deve inspirar um temor filial de tudo aquilo que possa contristar este divino Coração, e não somente aos que principiam, mas também às almas adiantadas na virtude, «porque, diz a Santa, nesta vida mortal há sempre que recear. Mas o nosso temor deve ser amorosamente filial, que nos faça praticar o bem, e evitar o mal. Desembaracemo-nos de todos os outros temores, que não podem vir senão do espírito das trevas, e esforcemo-nos para que o amor vá pouco a pouco dissipando o temor».

Na verdade, um temor excessivo não pode aliar-se ao amor perfeito, que exige a liberdade de filhos e o impulso espontâneo do coração.

«Este Coração Sagrado, quer que o sigamos no caminho do puro amor, continua a Santa9.

Por esta razão revestiu a nossa alma com o vestido da inocência e a cobriu com o manto da sua caridade. É necessário, portanto, evitar, não somente o pecado, mas toda a imperfeição voluntária, que possa manchar, ainda que pouco, a pureza do nosso coração, que deve ser o trono do nosso Amado, e dar-lhe com fidelidade amor por amor conforme o conhecimento que nos der da sua vontade».

2º. O amor ao Sagrado Coração deve ser simples, sem duplicidade nem rodeios, quer nas palavras, quer nas ações.

3º. Exige uma grande pureza de intenção e de afeição. Este ouro celeste não sofre nenhuma liga e exclui todo o apego desregrado às criaturas.

«O Coração amabilíssimo de Jesus quer que em todas as coisas o vejamos só a ele e aos interesses da sua glória, e que no mais completo esquecimento de nós mesmos, façamos todas as nossas ações por ele.

«Escolhamos estas divisas:

«Tudo para Deus, nada para mim!

«Meu Deus e meu tudo, vós sois todo meu e eu sou todo vosso.»

4º. O amor ao Sagrado Coração deve excluir todo o amor próprio. «Não devemos ter afeto demasiado a nós mesmos; tudo deve ser do Sagrado Coração, que deseja possuir o nosso inteiramente vazio de nós mesmos. O amável Coração do divino Mestre quer ser amado sem reserva, quer tudo daqueles que ama; não quer um coração dividido; quer tudo ou nada».

30) Quais são as qualidades do nosso amor ao Sagrado Coração que constituem à 2ª classe, ou que se referem às virtudes?

O fruto principal do amor divino deve fazer produzir atos de virtude, sobretudo atos de amor:

1º. O amor ao Sagrado Coração deve ser prático e ativo. «Pedis-me alguma breve oração para testemunhar o vosso amor ao Sagrado Coração do nosso amável Salvador10, respondia Santa Margarida Maria a uma das suas irmãs; – para mim, não sei, nem encontro outra superior a este mesmo amor; tudo serve quando se ama; até as grandes ocupações são provas do nosso amor. Amai, pois, e, como diz S anto Agostinho, fazei o que quiserdes».

2º. O amor ao Sagrado Coração deve ser livre. A Santa diz a este respeito: «O Coração humilde de Jesus quer ser amado sem violência, por vontade livre e amorosa.»

Felizes as almas que se dedicam a este Coração divino, sem ser pelo temor dos castigos reservados àqueles que o não querem amar!

3º. O amor ao Sagrado Coração deve ser desinteressado. «O verdadeiro amor ama sem interesse. Uma alma que quer ser toda de Deus, só a ele se afeiçoa, renuncia a todo o interesse próprio e não quer saber senão dele, que vale mais do que todos os seus dons. O dom precioso do seu amor, ultrapassa todos os mais [os outros]; é o único que nos deve atrair, fazer trabalhar e sofrer. Oh! quanto é bom amar o Sagrado Coração, por ele mesmo e só por ele! Amemo-lo sem gosto, sem prazer, sem sentimento, quer no meio do sofrimento e da desolação, quer no gozo das consolações. Não nos apeguemos às doçuras espirituais; procuremos a Deus pela fé, e convençamo-nos de que ele tanto merece o nosso amor quando nos castiga como quando nos consola. E, se algumas consolações nos dá, é para nos dispor a beber algumas gotas do seu cálice pela mortificação ou por outra qualquer maneira».

O desapego deve ir ainda mais longe: para ser perfeito deve ultrapassar os limites deste mundo; devemos desapegar-nos em certo modo dos próprios bens eternos.

4º. O amor ao Sagrado Coração exige o desapego dos bens da glória, devemos contentar-nos com o lugar que Deus nos tiver destinado no Céu.

5º. O amor ao Sagrado Coração deve ser humilde. «O Sagrado Coração de Jesus, diz Santa Margarida Maria, quer sobretudo que sejamos humildes de coração11. Quer que sejamos desprezíveis e pequenos aos nossos olhos para crescermos nele.

6º. O amor ao Sagrado Coração deve ser obediente e submisso às criaturas. A alma que ama verdadeiramente a Nosso Senhor não se contenta com obedecer àqueles que estão revestidos da autoridade divina, mas por amor de Deus submete-se a todas as criaturas. Como Santa Margarida Maria tem por divisa: «Tudo se sujeite, tudo obedeça ao amor divino!» Considera as criaturas como mensageiras deste divino amor, que muitas vezes por suas ordens, desejos e até seus caprichos injustos ou pouco razoáveis, manifestam a vontade do Coração de Jesus.

7º. O amor ao Sagrado Coração deve ser dócil aos conselhos. O amor divino não nos diz somente: obedecei aos mandamentos, mas acrescenta: segui os conselhos.

8º. O amor do Sagrado Coração deve ser· dócil às inspirações da graça. Deus não nos fala somente por meio da sua Igreja e dos seus ministros, mas ainda, e muitas vezes, pela graça. O verdadeiro amor exige que se ouçam com docilidade estes chamamentos interiores da voz divina. Nada é tão contrário a este amor, como as resistências à graça.

9º. O amor ao Sagrado Coração deve ser perseverante. A duração de alguns dias não o satisfaz; a vida inteira deste mundo é pequena; para ele é preciso a eternidade. Mas esta perseverança pede uma grande generosidade e uma coragem invencível.

10º. O amor ao Sagrado Coração deve ser contínuo e sem interrupção. A alma apaixonada pelo Coração de Jesus não se contenta com consagrar a este amor as circunstâncias mais importantes da vida; aspira transformar as palpitações do coração, as menores ações, em outros tantos atos de amor.

«O amor divino tudo supre, diz a Santa, mas parece-me que não teremos tempo demais para amar o adorável Coração de Jesus, único objeto do nosso amor. Suplico ao divino Esposo das nossas almas, que, pois nos criou unicamente para o amar, seja para sempre o nosso amor e nosso tudo, que nos consuma no seu puro amor, para que nem um só momento deixemos de o amar»

11º. O amor ao Sagrado Coração deve ser militante, «porque o reino dos céus sofre violência12: Não devemos empreender uma viagem tão importante no mar sublime do amor de Deus, sem as armas necessárias para combater».

31) Quais são as qualidades do nosso amor de amizade ao Coração de Jesus que formam a 3ª classe e se referem especialmente à união com este divino Coração?

O amor de amizade a Jesus nunca diz basta, mas quanto mais se aproxima deste divino objeto, tanto mais deseja unir-se a ele até perder-se neste Coração adorável; o que não terá lugar senão no céu pela visão beatífica. Completemos as santas ascensões descritas pela Beata Margarida Maria.

1º. O amor ao Coração de Jesus deve ser acompanhado de paz interior13. «Se ele nos ama, diz a Santa, que temos que recear, salvo não o amar tanto quanto ele quer? Quanto mais confiarmos, maior será o cuidado que terá de nós».

2º. O amor ao Sagrado Coração deve ser amor de confiança. «Tende nele uma grande confiança, diz a Santa, e nunca desconfieis da sua misericórdia, que é infinitamente maior do que todas as nossas misérias.

Abismai-as todas nesta grande misericórdia. Lançai-vos muitas vezes nos braços desta misericórdia do Coração de Jesus, resignando-vos a tudo o que Ele quiser de vós. Nas vossas meditações considerai sobretudo a grande misericórdia deste Sagrado Coração. Pedi-lhe que a derrame sobre vós e sobre todos os pecadores».

«Oh! quanto devemos agradecer a Deus o terno amor que nos tem, diz a Bem-aventurada! Amor que o obriga a usar de tanta misericórdia para conosco que não nos deixará perecer». «Não temas, me disse um dia, confia em mim; eu sou o teu protetor e o teu fiador. Um filho pode acaso perecer nos braços de um pai todo-poderoso?»

3º. O amor ao Sagrado Coração deve ser um amor de preferência. «Devemos amá-lo como a única coisa necessária ao nosso coração.

Mais vale perder tudo do que decair da graça do Sagrado Coração.

O Coração do nosso adorável Jesus é todo o nosso tesouro.

4º. O Sagrado Coração deve ser amado com um amor de complacência, preciosa disposição que nos faz achar nele a nossa alegria.

5º. O Sagrado Coração quer ser amado com um amor cioso. «Como Jesus é cioso do nosso coração e quer possuí-lo inteiramente, também nós devemos ser ciosos do seu, amando-o mais do que ninguém».

6º. O amor ao Sagrado Coração deve ser um amor de gratidão. «Bendigamos este divino Coração e agradeçamos-lhe o seu ardente amor para conosco».

7º. O amor ao Sagrado Coração deve ser um amor de abandono à sua divina vontade. «O Coração de Jesus quer que em tudo vejamos a sua vontade, a qual deve acabar com os nossos desejos, deixando-lhe inteira liberdade para fazer de nós o que lhe aprouver, e reservando-nos só o cuidado de lhe agradar e de o amar sobre todas as coisas».

8º. O amor ao Sagrado Coração deve ser um amor crucificado, «que não tenha alegria senão no sofrimento, para ser mais conforme ao seu amado. Tenhamos por divisa: «Eu só quero a Jesus, o seu amor e a sua cruz. Só estes bens me agradam, todos os mais me parecem desprezíveis».

9º. O amor ao Sagrado Coração deve ser um amor forte e triunfante; «pois deve triunfar tão perfeitamente dos nossos corações, que não possam afastar-se das suas santas leis».

10º. O amor ao Sagrado Coração deve ser ardente. «Supliquemos ao amável Coração de Jesus que o fogo, que ele veio trazer à terra, abrase sem cessar os nossos corações».

11º. O amor ao Sagrado Coração deve ser insaciável e crescer sem cessar. Ainda que a nossa capacidade de amar seja finita e limitada, contudo, quanto mais nos esforçarmos por amar a Deus, tanto mais a graça aumenta em nós essa capacidade, de modo que, se não nos é possível chegar a um amor infinito, podemos ao menos crescer constantemente no amor de Deus.

«O Senhor ama-nos, diz Santa Margarida Maria, e quereria ver-nos adiantar cada vez mais no seu amor».

12º. O amor ao Coração de Jesus deve ser um amor de transformação e de imitação. «Supliquemos ao divino Coração que nos transforme nele para que vivamos numa inteira conformidade com sua vontade Santíssima».

13º. O amor ao Sagrado Coração deve ser zeloso. «Amar e fazer amar o Sagrado Coração», eis qual deve ser a nossa divisa!

14º. O amor ao Sagrado Coração deve ser celeste. Este adorável Coração quer que os seus amigos da terra rivalizem em amor com os seus amigos do céu.

15º. O amor ao Sagrado Coração é um mistério inexplicável. Só no céu poderemos admirar as surpreendentes maravilhas deste divino Coração!

32) Será difícil chegar a este amor ao Sagrado Coração?

Quantos cristãos ao lerem estas páginas terão a tentação de dizer: se para amar o Coração de Jesus é necessário reunir todas estas qualidades, bem posso renunciar a este amor; inútil é experimentar; nunca lá chegarei.

[MUITO IMPORTANTE LER-SE ] Almas cristãs, não raciocineis dessa forma. Com efeito, a plenitude da perfeição do amor ao Sagrado Coração exija estas divinas qualidades, mas pode amar-se verdadeiramente este divino Coração, sem se possuírem todas, pelo menos em toda a extensão. Santa Margarida Maria propõe-nos o fim que devemos atingir, o modelo que devemos copiar, o programa que temos de cumprir; mas, para todas as coisas há um princípio. Não deveis pretender logo o amor dos que atingiram a perfeição; contentai-vos com o daqueles que principiam trabalhando por alcançá-la: é preciso ser aprendiz para chegar a ser mestre. Experimentai, suavemente, mas com perseverança, e sobretudo orai, e orai muito, porque o amor divino é graça que se deve solicitar com a oração, e é o que vos pede o Coração de Jesus.

33) Quais são os diversos estados, nos quais Nosso Senhor pede que lhe retribuamos amor com amor?

Nosso Senhor manifestou-nos o seu infinito amor sem interrupção desde o primeiro instante da sua Encarnação; é justo que honremos todas as provas de amor que nos deu e que ainda hoje nos dá.

Principiemos por aquelas que nos deu durante a sua vida oculta, na qual, segundo a expressão de um santo doutor, Jesus menino se mostrava excessivamente amável: Panmlus Domimts et amabilis nimis.

Que amor não lhe devemos nós pelo amor que nos mostrou durante a sua vida publica?! Com efeito, é mais para admirar a caridade inesgotável do Coração de Jesus, do que o poder e a sabedoria divina que manifestou nos ensinamentos, nos milagres e nas maravilhas da sua vida.

Diante das obras realizadas então por Jesus, podemos exclamar: Dilexit mundunz: Eis o fruto do amor do Sagrado Coração para conosco. E, foram em tão grande número as provas desta divina caridade que, diz S. João, se se descrevessem minuciosamente, o mundo inteiro não poderia conter os livros que as narrassem: Sunt alia multa qua: fecit Jesus, quae si scribantur per singula, nec ipsum arbitror mundum capere posse eos qui scribendi szmt libri14.

Contudo o Coração de Jesus quer que nos ocupemos particularmente do amor que nos manifestou durante a sua vida padecente, e em particular do amor que nos manifesta na sua vida eucarística.

34) Por que razão pede Nosso Senhor as nossas homenagens à sua vida padecente? E quais são as circunstâncias de sua vida, que ele quer recordemos de um modo especial?

Nosso Senhor quer que amemos de um modo especial a sua vida padecente, porque nela é que Ele mostra mais o grande amor que tem às criaturas: Sic Deus dilexit mundum! Posto que toda a vida de N. S. seja admirável, Santa Margarida Maria faz notar, com grande particularidade, algumas circunstâncias, em que a caridade do Coração de Jesus, sem ser maior, brilha com mais fulgor. Vejamos quais são elas:

1ª. A fome e a sede de Jesus, por meio das quais Nosso Senhor quis fazer conhecer a fome e a sede que tem de ser amado por nós.

2ª. O Jardim da agonia. «Foi ali, disse Nosso Senhor a Santa Margarida Maria, que eu sofri mais do que em todo o decurso da minha Paixão, vendo-me num abandono total do céu e da terra, carregado dos pecados dos homens»15.

3ª. Jesus no pretório, onde ele, o juiz dos vivos e dos mortos, foi julgado, desprezado, injuriado e condenado.»

4ª. A venda de ignominia, que foi posta nos olhos de Jesus.

5ª. A Flagelação dolorosa, a que Nosso Senhor foi exposto.

6ª. A coroa de espinhos, colocada na fronte do Rei dos Anjos e dos homens.

7ª. O silêncio de Jesus. «O mistério da Paixão que amo mais, dizia Santa Margarida Maria, é o silêncio sagrado que Jesus manteve no meio dos maiores sofrimentos.

Para o imitar, não abramos a boca, senão para orar por aqueles que nos perseguem».

8ª. O Ecce Homo. Nosso Senhor apareceu assim muitas vezes à Santa Margarida Maria.

9ª. Jesus levando a pesada Cruz, que as iniquidades dos homens tornavam pesadíssima.

10ª. Jesus pregado na Cruz: «Nada me agrada tanto como a Santíssima Virgem aos pés da cruz, diz a serva de Deus. Quanto é suave lançar-me nos braços de um Deus morrendo por nosso amor!»

11ª. A lançada. «vede a abertura do Lado, dizia S. Bernardo: Oh! como é bom habitar no Coração de Jesus!»

12ª. A Paixão perpétua do Coração de Jesus. A alma cristã deve sobretudo considerar com amor a parte que o Coração de Jesus tomou na sua Paixão. «Nosso Senhor16, diz Santa Margarida, quer que nos santifiquemos glorificando o seu Coração amoroso, pois ele [o Coração] sofreu mais que toda a sua humanidade santíssima.

Desde o primeiro instante da Encarnação foi este Coração Sagrado um mar de amarguras; sofreu desde aquele primeiro momento até soltar na cruz o ultimo suspiro.

Tudo quanto esta humanidade santíssima sofreu interiormente no suplício da cruz, sofreu-o continuamente o seu Coração. É por isso que Deus estima que ele seja honrado de um modo particular, que os homens lhe deem tanta alegria e prazer por meio das suas homenagens quanta foi a amargura e a angustia que lhe fizeram sentir com os seus pecados».

35) De que maneira havemos de honrar o amor padecente do Coração de Jesus?
Coração Agonizante de Jesus

As principais homenagens que devemos prestar ao Coração de Jesus na sua vida padecente são:

1ª. Meditar os inefáveis mistérios dos seus sofrimentos, especialmente durante o exercido da Via-Sacra;

2ª. Honrar a imagem deste divino Coração, que é o memorial sensível da sua vida padecente, por causa dos instrumentos da Paixão que nele se veem:

3ª. Imitai-o, especialmente, pela paciência nos trabalhos e pela prática da penitência.

«É preciso que nos tornemos cópias vivas de Jesus crucificado, manifestando-o por todas as nossas ações».

Por que deve o Coração de Jesus ser especialmente honrado na sua vida eucarística?

Conquanto Nosso Senhor nos peça que honremos todas as manifestações de amor que o seu Sagrado Coração nos deu, deseja contudo, que honremos este divino Coração especialmente na Eucaristia, em
atenção ao amor excepcional que nos manifestou neste sacramento.

«Tenho sede, disse ele um dia a Santa Margarida, mas uma sede ardentíssima de ver o meu Coração amado pelos homens no Santíssimo Sacramento; esta sede devora-me, e não encontro ninguém que procure saciar-me, como eu desejo, retribuindo-me o meu amor»17.

Para corresponder a esta queixa dolorosa pede à Santa Margarida Maria que, à devoção ao Sagrado Coração se dê uma forma, por assim dizer, eucarística; e recomenda que a maior parte das práticas desta devoção se façam diante do SS. Sacramento, ou em união com Jesus vivendo na Sagrada Hóstia.


NOTA: Substituímos a designação da Vidente de “Bem-aventurada” por “Santa” Margarida Maria.






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1 Veja-se a exposição destes ensinamentos no Reino do Coração de Jesus, vol. 1 , pág. 171.

2 Carta 58, “Vida pelos cant.”, pág. 115.

3 Corte 43-Avis. 41, 43. Escritos div. págs. 460-462.

4Cartas 48, 31, 54, 66, 85. Avis. 11, 14, 21.

5 Cantic. VIII.

6 cf. Eclo VI, 15

7 Não devemos procurar uma distinção bem definida nas expressões empregadas pela B. Marg. M. Vendo a impossibilidade de exprimir o que deve ser o amor divino, recorreu a tudo o que a linguagem humana tem mais expressivo; e termina sempre confessando que este amor é um mistério inexplicável.

8 Carta III à Madre Greyfié.

9 Avis. 24 – Cartas 15, 27, 40,43, 92, 107, 111 – Avis. 40.

10 Cartas 15, 22, 43, 91, 118.- Avis. 10.

11 Observ. 14, 28, 31, 40, 43, 46, 52. - Cartas 3, 55, 105, 113.

12 cf. Mateus 11, 12.

13 Cartas 27, 73, 86, 92, 118 e 62. - Avis. 15, 6, 10, 16, 19, 21 , 33.

14 cf. Ev. de S. João 21, 25.

15 Cartas ao Pe. Croiset, 15 de setembro 1689. - Cartas 32 e 100.

16 Vida da B. Margarida Maria, pelos contemp. p. - S2. - Cartas 63, 100, 92, 102.

17 Cartas ao Pe. Croiset, 1690.





FONTE: livro, em formato PDF: “O Coração de Jesus Segundo a Doutrina da Beata Margarida Maria Alacoque”, por um Oblato de Maria Imaculada, Capelão de Montmartre, Editor Manoel Pedro dos Santos, Lisboa/1907, Segunda Parte – O Reinado do Coração de Jesus. Como Ele Deseja Reinar, pp. 58 a 80 – Texto revisto e atualizado, sendo alguns destaques por nós acrescentados.

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