«Eis o Coração que tanto amou os homens, que não poupou nada até esgotar-se e consumir-se, para lhes testemunhar seu amor; e por reconhecimento não recebe da maior parte deles senão ingratidões.»(Sagrado Coração de Jesus a Santa Margarida Maria Alacoque)

sexta-feira, 20 de julho de 2018


A ATUALIDADE DA DEVOÇÃO AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS. REMÉDIO CONTRA OS MALES DA VIDA PRESENTE




Já tem mais de três séculos de existência entre nós a devoção ao Coração de Jesus, mas nunca foi de tanta atualidade como na hora presente.1

Esta devoção é um remédio e o remédio supõe um mal, o mal estar geral da sociedade moderna.

É lei geral da Providência acomodar às necessidades dos tempos as instituições que inspira e suscita. Pode dizer-se que a história da Igreja não é senão a execução desta lei admirável.

Se a devoção ao Coração de Jesus nos foi dada «como remédio aos males dos últimos tempos», se estamos em plena era do Coração de Jesus, grande correspondência a de existir entre esta devoção e aqueles males.

Na verdade, estudando a índole e caracteres desta devoção e as necessidades modernas, descobre-se logo entre eles a mesma relação existente entre o remédio e a doença, entre o veneno e o antídoto.

Qual é o espirito e o mal dos nossos tempos? Qual é o espirito e o fruto da devoção ao Coração de Jesus?

Vejamos no seguinte esquema de Costa Rosetti.

ÍNDOLE E CRIMES CARACTERÍSTICOS DO NOSSO TEMPO
ESPÍRITO E FRUTOS DO CULTO AO
SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS
1. Apostasia, renegação de Cristo.
1. Estreita união com Cristo.
2. Infidelidade total e cada dia mais alastrada.
2. Fé viva, fomentada pela caridade do Sagrado Coração.
3. Desesperança e pessimismo: desesperação causada pelas calamidades sociais e pela miséria geral; frequente prática de suicídio.
3. Renovação da esperança, aumentada pela consideração da clemência e infinita misericórdia do Sagrado Coração.
4. Esfriamento da caridade para com Deus e Cristo: indiferentismo.
4. Caridade acesa pelo Coração inflamado de Jesus; afervoramento da vida cristã.
5. Esmorecimento da vida católica com manifesto definhamento; a tibieza e oscilante claudicação própria do liberalismo.
5. Florescência da vida católica, visível, manifesta; frequência aos Sacramentos; vigorosas associações católicas, opostas ao liberalismo.
6. Opressão da Igreja, disfarçada ou descarada; indiferença ou hostilidade para com o Sumo Pontífice.
6. Amor ao Vigário de Jesus Cristo; defesa enérgica dos direitos da santa Igreja, esposa de Cristo.
7. Materialismo teórico ou prático.
7. Desejo aos bens suprassensíveis e sobrenaturais, provocado pelas labaredas de amor do Sagrado Coração.
8. Concupiscência, volúpia, fastio dos bens celestes.
8. Lembrança e mais frequência à Comunhão eucarística.
9. Sórdida cobiça de bens terrenos; ausência de caridade, egoísmo na economia particular e pública; apropriação de bens dos mais opulentos aos menos abastados até a miséria.
9. Abnegação caridosa a bem do próximo, aurida no Coração de Deus atravessado (pela lança), cercado de espinhos e coroado pela cruz.
10. Rivalidades sociais e discórdias violentas: questões operárias, questões agrárias …2
10. Solução pacífica das questões sociais, quando todos vão beber na fonte do Sagrado Coração os sentimentos de abnegação, justiça recíproca e legal, o seu inesgotável amor.
11. O socialismo apaixonado e o comunismo cada vez mais voraz e insaciável.
11. Socialismo e comunismo debelados com reformas sociais, inspiradas pela justiça e caridade do Sagrado Coração.
12. O relaxamento e a decomposição da família e da sociedade promovidas por um liberalismo e relativismo desmedidos, em escolas e outros ambientes sociais.3
12. A ação conservadora da doutrina católica, apropriada ao verdadeiro progresso, que há de sanar todos os males sociais com a virtude regeneradora do divino Coração.

Hoje, como no tempo de S. Agostinho, como sempre, o mundo está dividido em duas grandes cidades ou reinos – a cidade de Deus, o reino da luz, e a cidade do erro, o reino das trevas e de Lúcifer.

As grandes lutas e combates no mundo se travam todos em volta de Jesus.

Os partidos intermediários e as outras lutas são pequenas coisas em comparação à eterna luta, que divide o mundo naqueles dois grandes reinos.

Não queremos que Jesus reine sobre nós! nolumus hunc regnare super nos, exclamam hoje com mais furor do que no tempo de Pilatos os blasfemos filhos do erro.

É necessário que Ele reine, e há de reinar sobre todos! oportet illum regnare, repetem, por sua parte, com S. Paulo, os filhos da verdade.

Reinar ou não reinar Jesus no mundo, eis a eterna luta que divide irreconciliavelmente os homens, eis a vida ou a morte da sociedade.

É o amor em luta aberta com o ódio.

O grande mal dos nossos tempos não é a pobreza – nunca os recursos foram tantos e tão divididos como hoje; não é a ignorância – a ciência barateou-se e está ao alcance de todos –; o grande mal, que a todos resume, é o ódio, é o egoísmo desta sociedade sem fé.

Quando não há fé nem Deus, o amor é impossível, e sem amor a sociedade é um covil de feras, é o pleno reinado do egoísmo, cada um vive para si. Então o amor ao próximo é uma mentira. O egoísta sem fé nunca chega a ter a noção do amor; quando dá mostras de amar, é a si que ele ama, é o seu interesse que procura sempre. E se o próximo o contraria, afasta-o, persegue-o, mata-o. E sai da ordem individual e se apodera da força e faz as leis e as leis são a divinização da matéria, a glorificação das paixões.

Esta é a grande aspiração do reino das trevas, hoje principalmente concretizado na maçonaria (no relativismo, na exploração do homem pelo homem … no secularismo), na igreja internacional do ódio.

É no meio desta sociedade pervertida e desnorteada que se levanta o Coração de Jesus com o seu reino do amor, para fazer recuar o ódio.

O amor é a vida, é o sangue e a seiva da sociedade; é o homem que sai para fora de si mesmo, que esquece os seus interesses, domina os seus maus instintos, vive para os outros, sacrifica-se por eles, dá-lhes o que tem, e até a própria vida.

Esta dedicação e este amor não veio, não podia vir da terra: é a lição que o Coração de Jesus constantemente prega aos homens.

Admiravelmente grandiosa é a ideia que Santa Margarida4 nos dá do Coração de Jesus: «É o Santo dos santos, o Santo do amor, que desejava ser conhecido, para ser o Mediador entre Deus e os homens; porque é onipotente para fazer as pazes, afastando os castigos que os nossos pecados provocam, e para nos alcançar misericórdia.»

Esta ideia de mediações, ou melhor, de nova ou segunda mediação entre Deus e os homens aparece com, frequência nos escritos de Santa Margarida: «É o último esforço» do seu amor, «uma redenção amorosa», «uma nova efusão do amor de Deus de todos os tesouros de amor, de graça, santificação e salvação que possui».

É verdade que Deus já tinha dado tudo, quando deu seu Filho e o Filho consumou a doação de si na Encarnação, na Redenção e na Eucaristia: – parece que não podia dar mais; mas deu: a nova declaração de amor que fez aos homens nas revelações de Paray com tais extremos de bondade e misericórdia são um chamamento paternal, um apelo divinamente apaixonado às infinitas ternuras do seu amor.

Como a Eucaristia é um resumo de todas as obras de Deus e encerrando todas as manifestações de seu amor, constitui a mais excelente e admirável de todas, assim o Coração de Jesus, dando-nos no amor que simboliza e encerra a razão da Eucaristia e de todas as obras de Deus, constitui um novo dom, uma declaração nova do seu amor, um chamamento mais íntimo, um novo descer e caminhar para os homens, oferecendo-lhes o perdão, a vida, o amor e a glória.

Oh! Como é belo este descer de Jesus, este aparecer aos homens com o Coração nas mãos a escorrer sangue e a lhes pedir o retorno do seu amor infinito! As revelações de Paray abriram uma nova era na história do amor de Deus e hoje estamos em pleno esplendor desta era bendita.




NOTA DO BLOG: Fizemos pouquíssimas alterações no texto original, mantendo-o quase íntegro, apenas adaptando-o para o tempo presente, que parece renovar os mesmos vícios e males da época que foi escrita esta magnífica obra.




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FONTE: livro, em formato PDF, “O Coração de Jesus Segundo a Doutrina da Beata Margarida Maria Alacoque”, por um Oblato de Maria Imaculada, Capelão de Montmartre, Editor Manoel Pedro dos Santos, Lisboa/1907, Introdução III - excertos do texto do Pe. Joaquim dos Santos Abranches, Lisboa 15.08.1907 – Texto revisto, atualizado e adaptado para o português do Brasil. O título é nosso.



1 No original: “Já tem quase dois séculos de existência entre nós a devoção ao Coração de Jesus, mas nunca foi de tanta actualidade como na hora presente.”

2 No original: “Rivalidades sociaes e discordias acerbissimas: a questão operaria, a questão agraria, libertação civil e franquias populares.”

3 No original: “A relaxação, a lenta decomposição da família e da sociedade, operada pelo liberalismo por meio das escolas emancipadas da religião e dos inumeráveis ardis dos pedreiros livres.”

4 No original: “Beata Margarida”, pois, à época que foi escrito, ainda não tinha sido canonizada, o que só ocorreu em 1920, pelo Papa Bento XV.

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