PRIMEIRA SEXTA-FEIRA DO MÊS DE MAIO DEDICADA AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS
NOSSA SENHORA DO SAGRADO CORAÇÃO, CANAL DAS GRAÇAS
Santo Afonso Maria de Ligório
Ainda
que o Coração de Jesus seja o reservatório universal das graças,
e a oração, o vaso destinado a recebê-las, contudo só as
obteremos por intermédio da Santíssima Virgem. Lemos no Gênesis
que Eliezer, servo de Abraão, chegou sequioso às bordas de um poço:
Vindo Rebeca ao mesmo lugar, ele pediu-lhe de beber. Ela respondeu
que de boa vontade daria a água, não somente a ele, mas também a
todos os seus camelos. Maria nos é admiravelmente representada aqui
sob à figura de Rebeca; quanto ao poço, não poderia ele significar
o Coração de Jesus? Só a Maria pertence o cuidado de tirar as
graças nesta fonte de vida eterna: precioso privilégio que lhe
mereceu o nome de Nossa Senhora do Sagrado Coração.
Neste
poço divino Ela pode tirar tanto quanto quiser por suas orações.
Maria tem um certo direito sobre todas as graças do Coração de
Jesus, diz Suarez, por sua qualidade de Mãe. Também S. Bernardo
chama a Maria Onipotência
suplicante: Omnipotentia supplex. Quando Ela
pede, é com certa autoridade de mãe, suas orações têm alguma
coisa de ordem, e é impossível que Ela não obtenha o que pede.
Maria é tão poderosa, que se pode dizer, que nada existe acima do
seu poder; tudo o que Ela quer, faz. Não é coisa digna do Filho de
Deus honrar assim sua Mãe, pois que Ele veio, não para abolir, mas
para cumprir a lei, que nos manda, entre outras coisas, honrar nossos
pais? Ele quer por este meio satisfazer uma dívida de reconhecimento
para com Àquela que lhe deu o ser humano. Seu amor para com Maria é
tão grande, que basta que Ela fale, para ser
ouvida, diz Guilherme de Paris. Santa Brígida ouviu um dia Jesus
dizer a Maria: Minha Mãe, pedi o que quiserdes, não vos
recusarei nada. Ó bondade admirável do Coração de Jesus!
Ele se dignou nos dar por advogada Àquela que pode obter d'Ele, por
suas súplicas, tudo o que quer.
Nossa Senhora do Sagrado Coração |
Outra
que não Rebeca teria podido dar água do poço ao servo de Abraão;
mas Jesus, diz S. Bernardo, fez um decreto pelo qual Ele
não quer nos conceder seus favores senão por meio de sua Mãe. Ele
encheu Maria de todas as graças, a fim de que recebamos por Ela,
como por um canal, todos os bens que podemos esperar.
Por este canal salutar é que os dons celestes descem continuamente
sobre nós. Holofernes, querendo reduzir a cidade de Betúlia,
ordenou que seus aquedutos fossem cortados. Assim procede o demônio:
ele se esforça o mais que pode, para conseguir que as almas percam a
devoção a Maria, porque, uma vez desviado este benéfico canal, as
graças do Coração de Jesus não podem mais chegar até nós.
Consideremos, pois, ajunta S. Bernardo, com que
afetuosa devoção Jesus quer que honremos sua Mãe, recorrendo à
sua proteção, pois Ele pôs n'Ela a plenitude de todos os
bens, de sorte que nenhuma graça nos vem do Coração de Jesus sem
passar por Maria.
Eliezer
foi feliz por ter encontrado Rebeca; mil vezes mais felizes seremos
nós se achamos a Maria. Achando a Maria, achamos todos os bens,
diz o abade de Celes; n'Ela temos todas as graças, todas as
virtudes, pois que, por sua poderosa intercessão, do Coração de
seu Filho obtemos tudo o que nos é necessário para sermos ricos dos
dons celestes. Ela mesma nos diz que têm, entre suas mãos
todas as riquezas do céu, isto é, as
graças divinas, para as distribuir aqueles que a amam. (Pv.
8:18) Rebeca era tão boa, que, apenas o servo de Abraão falou,
obteve água no mesmo instante. Quem poderá nos dizer a bondade de
Maria? Não basta dizer que ela é nossa Mãe? Ah! para compreender o
abismo de amor deste Coração maternal, seria preciso compreender o
abismo do Coração de Jesus. Sim, é necessário conhecer o Coração
de nosso Salvador, para conhecer o Coração de nossa Mãe: porque,
tendo o amor tornado inseparáveis os Corações de Jesus e Maria,
eles buscam, de comum acordo, nossa felicidade e salvação. Se a
lembrança de nossos pecados nos separa de Deus, porque ofendemos
n'Ele uma majestade infinita, aproximemo-nos de Maria, em que nada
achamos de terrível. Sem dúvida, Ela é imaculada, a Rainha do
universo, a Mãe de Deus; mas tem a mesma origem que nós, é filha
de Adão como nós; n'Ela tudo é bondade, tudo é doçura; Ela se
faz tudo para todos; por sua grande caridade, Ela se tornou devedora
para com os justos e pecadores, abre a todos seu Coração cheio de
misericórdia, a fim de que todos vão haurir dele. Maria tem para
nós Coração de Mãe, coração formado de propósito para nos
amar, coração no qual seu divino Filho derramou sua bondade,
misericórdia, amor, e de alguma sorte seu Coração mesmo. E
temeríamos recorrer a Ela? Mas que pode sair de uma fonte
de bondade, senão bondade? diz S. Bernardo. Por isso é que ela
é comparada à oliveira (Eclo 24:19) porque, se do fruto da oliveira
não sai outra coisa que óleo, símbolo da misericórdia, do Coração
de Maria não podem sair senão graças e misericórdias.
Mas,
dirá alguém, eu sou tão grande pecador! Maria quereria ainda se
interessar em meu favor? - Sim; se Rebeca se apressou a dar água aos
camelos de Eliezer, que felicidade não experimenta o Coração de
nossa Mãe, quando pode socorrer algum pobre pecador? Maria é
chamada Rainha de misericórdia, diz S. Bernardo,
porque abre o abismo de sua misericórdia
(que é o Coração de seu Filho), para quem ela
quer, quando quer, como quer.
Nenhum pecador pode então perecer se Maria o protege. Ah! como Ela
deseja salvar todos os homens, ainda os mais criminosos! Os
homens me
dão o nome
de Mãe de
misericórdia,
dizia ela a Santa Brígida, e nisto vão
bem: o Coração todo misericordioso de
meu Filho me fez
toda misericordiosa para com os pecadores. Ó clemência
admirável do Coração de Jesus! Não querendo que tenhamos que
temer muito a sentença que Ele deve pronunciar na nossa causa,
destinou-nos uma advogada que é sua Mãe e nossa, de sorte que Ela é
bastante poderosa para o dobrar, bastante compassiva para procurar
salvar-nos. Oh! Que motivo de confiança! Minha salvação depende do
Coração de Jesus, o mais terno dos irmãos, e do Coração de
Maria, a mais amável e misericordiosa das mães!
As graças do Coração de Jesus nos vêm pela mediação de Maria Santíssima |
Que
é o que Maria exige do pecador para o salvar? Uma só coisa: que a
invoque com o desejo de se corrigir. Aquele que põe sua confiança
n'Ela, nunca será confundido. Eu convido, nos diz Ela, todos os
homens a recorrerem a mim, com paciência os espero e tenho vivo
desejo de os socorrer; estou pronta sempre a lhes obter as graças, o
perdão, a salvação; porque o Coração todo misericordioso de meu
Filho me fez toda misericordiosa.
Confiança,
pois, em Maria, diz Ubertino de Casal; se queremos achar lugar no
Coração de Jesus, dirijamos-nos para Ele com esta boa Mãe. Ainda
que fôssemos os maiores pecadores do mundo, Ela nos convida com o
profeta Isaías a nos aproximarmos dele: Vinde, diz ela,
vinde pecadores, ao Coração de meu Jesus; (Is
46:8) Ele está sempre aberto para vos receber; vinde arrependidos, e
Ele vos acolherá.
PRÁTICA
Não
deixarei passar sábado algum sem fazer alguma mortificação e
oração especial em honra de Maria; rezarei uma Ave Maria quando o
relógio dar horas; direi muitas vezes esta pequena oração que
Santo Afonso costumava propagar:
Ó Virgem Maria, que fostes imaculada em vossa conceição, rogai por nós a Deus Pai cujo Filho Jesus gerastes por obra do Espirito Santo. (100 dias de Indulg. cada vez. - 21 Nov. 1793.)
AFETOS
E SÚPLICAS
Ó Maria Rainha do céu e da terra, Mãe do Soberano do universo, a maior, mais elevada e mais amável das criaturas, é verdade que, na terra, muitos não têm a felicidade de vos conhecer e vos amar; mas no céu milhões de anjos e bem-aventurados vos amam e louvam sem cessar! E, ainda aqui em baixo, quantas felizes almas vivem abrasadas de amor para convosco, e todas cativas de vossa bondade! Ah! Quem me dera vos amar assim, ó minha amabilíssima Soberana, pensar continuamente em vos servir, louvar, honrar, e fazer-vos amar por todo o mundo! Vós atraístes um Deus pelos encantos de vossa beleza, e o arrancastes, digamos assim, do seio de seu Pai eterno, para se fazer homem e tornar-se vosso Filho; e eu, vermezinho desprezível, não vos amaria? Não, minha terníssima Mãe: quero vos amar, sim, quero vos amar ardentemente, e fazer tudo o que puder, para que sejais amada também dos outros. Aceitai então, ó Maria, o desejo que tenho de vos amar e ajudai-me a cumpri-lo. Sei que vosso Deus olha com agrado para aqueles que vos amam; depois da sua própria gloria, Ele nada deseja tanto como a vossa, a fim de vos ver honrada e amada de todos.
De vós, ó minha Rainha, é que espero todos os bens: a vós toca obter-me o perdão de meus pecados e a perseverança; a vós assistir-me na hora de minha morte; a vós tirar-me do purgatório; a vós, enfim, conduzir-me para o paraíso. Eis aqui até onde se estende a esperança daqueles que vos amam, e ela não é vã; tal é também minha esperança, amando-vos de todo o meu coração e sobre todas as coisas, depois de Deus.
ORAÇÃO
JACULATÓRIA
Terno
Coração de Maria, sede minha salvação.
EXEMPLO
O
capitão Marceau, nascido em 1806 em Châteaudun, foi, a princípio,
devasso e escandaloso; podia-se chamar-lhe, com um de seus amigos,
Satanás em pessoa sobre a terra. Convertido a Deus, ele dizia um dia
aos operários sem fé: «Meus amigos, já fui ímpio como vós;
ninguém mais do que eu detestou o cristianismo; mas devo fazer-lhe
esta justiça, enquanto não fui cristão, fui profundamente
desgraçado. Até então não vivia; aquilo não era viver; eu
agitava-me, ou antes minhas paixões me agitavam, arrastavam-me, mas
eu não vivia. Não, eu não era homem, era coisa.» Marceau amava a
verdade. Sua alma era reta, grande até. Um seu amigo o induziu a
estudar a religião que ele blasfemava tanto, e Marceau aceitou o
livro que lhe era apresentado. Um oficial, bom cristão, e seu amigo,
notando este tratado, disse-lhe espantado: «Estudais então a
religião, Marceau? Que pensais desta obra?» –
«É boa.» – «Então sois
dos nossos?» A estas palavras, Marceau corou-se. «Como, tornou o
oficial, procedeis assim? Mas seria uma covardia! O que lestes, é
verdadeiro ou falso; se é verdadeiro, deveis render-vos. Aqui a
indiferença seria um crime contra a razão, pois a questão é tão
importante, que não pôde ser dada ao desprezo.»
Um
dia, Marceau disse a seu amigo: «Li, refleti e creio: estou
convertido.» – «Mas não
basta crer, diz o oficial, é necessário praticar, orar e vencer a
si próprio.» Marceau tinha esquecido o Pai Nosso e a Ave
Maria. Ele se pôs a aprendê-los e a rezá-los. Isto é o que
queria o Coração de Jesus para cativar essa alma.
Mais
tarde, quando se lhe perguntava o que tinha feito para se converter,
respondia: «Li, orei, e o céu fez o resto.» A grande dificuldade
era a confissão. Marceau, de joelhos em terra, esperou sua vez
durante duas horas. «Porque, disse-lhe o confessor, não me
mandastes advertir?» – «Meu
Padre, respondeu o capitão, há dezoito anos que Deus me espera com
paciência! Eu bem podia esperar duas horas.» O novo Agostinho tinha
então trinta e seis anos. Eis aqui em que termos ele dá notícia de
sua comunhão: «Quando me vi ao pé do altar, veio um pensamento
agitar minha alma: creio eu na presença real? ... mas desprezei a
tentação. Depois, quando o sacerdote voltou-se para mim e me
apresentou a Santa Hóstia, comecei a tremer de comoção e respeito,
entrei em transpiração, e recebi com verdadeira fé o corpo de
nosso divino Salvador. Como humildemente me queixasse a Maria de não
experimentar amor muito vivo para com seu divino Filho, senti de
repente meu coração dilatar-se e lágrimas de reconhecimento
molharam minhas pálpebras. Neste instante vi claramente a vida
eterna.» Desde então, sem temer os sarcasmos de seus camaradas,
Marceau ia com as insígnias do seu posto ao lugar santo; aí, de
joelhos, confundido com as pobres mulheres, prostrado como um anjo
adorador, profundamente recolhido, ele passava horas intensas diante
do Santíssimo Sacramento. Muitas vezes, homens sem religião o
seguiam ao lugar santo para o ridiculizassem, mas ele dizia: «Eu fui
como eles: porque não podem ser daqui a pouco como eu?»
Perguntavam-lhe como tinha conseguindo vencer o respeito humano.
«Pelo uso da comunhão frequente,» respondia.
Um
dia, Marceau foi, como de costume, receber a Eucaristia numa capella,
e no lugar mesmo em que ele tinha outrora ultrajado a Nosso Senhor
Jesus Cristo. Seu fim, procedendo assim, era oferecer ao Coração de
Jesus uma comunhão reparadora. «No mesmo lugar onde eu o ofendi,
desejo recebê-lo, tão bom é ele que não se negara a meu coração!»
Quando o criticavam por assistir a missa todos os dias e comungar
semanalmente, costumava dizer: «Eu blasfemei a Jesus Cristo; não é
da mais estrita justiça, que lhe faça reparação?» No mais
rigoroso do inverno, ele fazia, das onze horas à meia noite, a Hora
Santa, em honra do Sagrado Coração de Jesus. Viram-no, numa
enfermidade que lhe tirava as forças, lutar contra a doença e
levantar-se para oferecer ao Coração de Jesus esta costumada
homenagem. Marceau não cessou de ser a alma da Adoração noturna,
para cujo estabelecimento poderosamente concorrera.(Augusto Marceau,
capitão de fragata , por um padre Marista. Obra digna de
recomendação)
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FONTE:
livro “O Sagrado Coração de Jesus Segundo Santo Afonso Maria
de Ligório ou Meditações Para o Mês do Sagrado Coração, a Hora
Santa e a Primeira Sexta-Feira do Mês”, tradução portuguesa
da 83ª edição, por D. Joaquim Silvério de Souza, Quinta
Edição/1926, Ratisbona Typographia de Frederico Pustet, Impressor
da Santa Sé, pp. 315-324 – Texto revisto, atualizado e adaptado
para o português do Brasil)
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