«Eis o Coração que tanto amou os homens, que não poupou nada até esgotar-se e consumir-se, para lhes testemunhar seu amor; e por reconhecimento não recebe da maior parte deles senão ingratidões.»(Sagrado Coração de Jesus a Santa Margarida Maria Alacoque)

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018


SANTA GERTRUDES, PRECURSORA DA DEVOÇÃO AO SAGRADO CORAÇÃO

Santa Gertrudes de Helfta, a Grande, Precursora da Devoção ao
Sagrado Coração de Jesus

Santa Gertrudes[1] passou na história da espiritualidade como a santa da Humanidade de Cristo, já que sua experiência mística e sua doutrina se centram no Mistério da Encarnação do Filho de Deus: no Verbo Encarnado por nossa salvação, se manifesta o grande mistério do amor de Deus para com o homem, sua divina condescendência, sua misericórdia. Deste núcleo partem todas as atitudes doutrinais, espirituais e místicas de Santa Gertrudes.

O fim principal de seus escritos é revelar este infinito mistério de amor: O Misterium Pietatis. Seu livro, intitulado Legatus Divinae Pietatis (Mensagem da Misericórdia Divina[2]) é um mensageiro, um menestrel, um trovador, encarregado de proclamar em todo mundo e em todos os tempos o mistério do amor pelo qual Deus chama o ser humano à união consigo em Jesus Cristo.

O Coração de Cristo é, para Santa Gertrudes, uma das expressões mais eloquentes e ardentes do Misterium Pietatis. As revelações do Coração de Jesus ocupam um lugar central na sua obra e concentram muitos aspectos de sua doutrina e espiritualidade. Gertrudes encontra a fonte desta devoção no relato do traspassamento de Jesus em sua Paixão. Daqui que, se bem que ela não teve a missão que competia a Santa Margarida Maria Alacoque de estabelecer o culto litúrgico ao Sagrado Coração, é considerada a precursora desta devoção.

Seus escritos sobre o Coração Divino de Jesus, traçados a partir de sua própria experiência interior, revelam o amor inefável que, desde toda eternidade, determinou o Verbo de Deus a se unir à humanidade, e a grandeza e a beleza da alma resgatada pelo Precioso Sangue de Cristo, chamada a participar de sua própria vida divina. A própria Gertrudes é o tipo simbólico mais acabado das finezas de Jesus para com as almas e a profundidade que alcança esta comunhão sobrenatural.

O coração, para os medievais, era o centro e o símbolo de todo o ser, por isso a teologia e a piedade de Gertrudes para com o Coração de Jesus, se dirige à pessoa inteira do Verbo Encarnado. Sua piedade não é dolorista1, senão cheia de serena confiança na vitória de Cristo Ressuscitado, e na capacidade do homem para responder esse amor e entrar em comunhão com Ele. Não acentua tanto a dimensão do sofrimento da paixão, senão antes sua eficácia redentora, nem nela aparece o aspecto da reparação que caracterizará a devoção ao Sagrado Coração nos séculos sucessivos, cujo fim especial é a expiação das ofensas contra a divina Bondade no Sacramento de amor. Gertrudes acentua antes a dimensão do dom gratuito do amor de Cristo a cada fiel e à maneira de corresponder a esse amor. O último gesto de amor de Jesus é ter querido que o golpe da lança abrisse a entrada de nosso amor para com Ele. A doutrina do suppletio2¸ tão característica de Gertrudes, encontra-se nesta linha de correspondência à graça.

DIMENSÕES DO CORAÇÃO DE JESUS

Em seus escritos, a imagem do Coração de Jesus compreende três realidades intimamente relacionadas que, – seguindo Hugues Minguet –, podemos denominar como: o coração humano, o coração espiritual e o coração simbólico:

O coração humano de Jesus: o Sagrado Coração indica em primeiro lugar, o coração de carne de Jesus que bate no divino peito. Em Cristo Jesus, seu Coração de Carne está substancialmente unido ao Verbo de Deus. É ao mesmo tempo o coração de homem e o coração de Deus. Foi transpassado pela lança na Paixão, mas não é um coração morto senão vivo, ressuscitado.

O coração espiritual: O coração designa sempre a pessoa em sua integridade (corpo, alma, espírito, razão e liberdade) e em seu fundamento mais profundo: a capacidade de relação, a abertura ao amor. Esta noção implica a dimensão afetiva mais vai mais além. O Coração de Jesus se refere então à Pessoa de Jesus, Deus e homem verdadeiro. Designa a Cristo inteiro, por uma parte de seu ser, segundo o procedimento bíblico de metonímia.
O báculo é próprio da abadessa, mas Santa Gertrudes
não foi abadessa, e sim Gertrudes de Hackeborn,
irmã de Santa Matilde, daí porque existirem fotos
da Santa com o báculo

Indica também o amor divino de Jesus, do qual seu coração de carne é símbolo natural. O Coração manifesta a Cristo em sua realidade mais profunda, no que Ele é em essência: Amor; amor eterno ao seu Pai enquanto Verbo de Deus e amor infinito para com os homens, enquanto Verbo feito carne para nos salvar.

Indiretamente, o Coração se refere a todos os sentimentos da alma de Jesus. É o órgão principal dos afetos sensíveis de Cristo: seu amor, seu zelo, sua obediência, seu desejo, sua dor, sua alegria, sua tristeza; e é também a sede de todas as virtudes do Homem Deus: mansidão, paciência, temperança, confiança, fortaleza, etc.

Na Idade Média se considerava o coração como sede da alma, ainda que não entendido em sentido orgânico ou material. Esta ideia se reflete em Santa Gertrudes: “Eu bem sabia, graças a teu ensinamento, que meu coração é a sede de minha alma” (L II 15.2[3]).

A alma, por sua vez, é o princípio dos afetos e da decisão da liberdade, os quais, portanto, se atribuem ao coração. Diz Gertrudes se referindo a Cristo: “Quantas vezes, neste Coração, revelaste-me o íntimo segredo dos teus desígnios e tuas alegrias” (L II 23.8).

O coração simbólico: o coração de Jesus é o lugar e o símbolo da união com Deus, da participação na vida divina. Por ele se derrama e comunica a vida divina que provem do Espírito Santo. Ao contemplar o Lado transpassado, Gertrudes contempla o próprio amor de Cristo em sua fonte, o que este comunica: uma vida de amor e um amor que dá a vida, que faz participar da vida divina. Assim mesmo o Coração de Cristo concentra, para Gertrudes, todos os mistérios divinos.

O Coração de Jesus é lugar litúrgico, onde se celebra o verdadeiro culto de louvor: como único mediador entre Deus e os homens, Cristo oferece sua humanidade ao Pai, em verdadeiro sacrifício de louvor; e esse oferecimento supre toda nossa insuficiência e nos capacita com sua graça para nos unir a seu culto, comunicando-nos sua santidade. O Coração de Cristo adora, louva, dá graças e glorifica a Santíssima Trindade; unidas à sua divina melodia, as vozes humanas se tornam harmoniosas. É por Ele, com Ele e n'Ele, sob a ação do Espírito, que nós podemos dar culto a Deus Pai.

ANTECEDENTES PATRÍSTICOS E MEDIEVAIS

Os Padres da Igreja tinham refletido sobre o relato evangélico do traspassamento de Jesus, vendo nele a infusão do Espírito, o nascimento da Igreja e o dom dos sacramentos do batismo e da eucaristia; mas não haviam interiorizado esta passagem como fonte de devoção ao amor redentor do Salvador.
Coração de Jesus atravessado pela lança

Ignorada nos dez primeiros séculos da Igreja, a devoção ao Coração Divino de Jesus se insinua em Santo Anselmo (1033-1109), em suas ardentes meditações sobre a Paixão de Cristo. Mas sobretudo em São Bernardo que contempla no coração ferido de Cristo, o grande mistério da Piedade e da misericórdia divina (magnun illud pietatis sacramentum), sobretudo no sermão 61 sobre o Cântico dos Cânticos.

Guilherme de Saint Thierry, Guerrico de Igny, Gilberto de Hoyland e outros cistercienses contemporâneos ou posteriores a São Bernardo também intuem no Coração Sagrado, o símbolo do amor misericordioso do Redentor.

No século XIII, o próprio Jesus quis revelar a algumas monjas privilegiadas a devoção que São Bernardo e Santo Anselmo tinham encontrado, em sua meditação da Paixão. O Senhor mostra a Santa Lutgarda (1182-1246) a chaga sangrante de seu Lado e une o coração dela ao Seu; à Venerável Ida (1243-1300), Jesus a faz beber da fonte de seu peito divino.

Mas é, sobretudo, no mosteiro de Helfta onde esta devoção encontra seu desenvolvimento, através das experiências místicas de Santa Gertrudes (1256-1302) e de Santa Matilde de Hackeborn (1241-1299), inseparáveis neste ponto, na tradição cristã.

As Revelações de Jesus a Santa Gertrudes se relacionam a estreita amizade que a união com o Senhor, e a familiaridade íntima que o Filho de Deus se dignou ter com ela. Repetidas vezes o Senhor apresentou a Santa Gertrudes o seu divino Coração, em sinal de íntima união e comunicação que queria ter com ela; esta união incluiu a presença interior permanente do Senhor em Gertrudes (L II 3), a revelação de seus íntimos desígnios, a manifestação de suas carícias amorosas e a comunicação de inefáveis deleites espirituais. Sua condescendência chegou ao estremo de trocar Seu Coração com o dela (cfr. L II 23.18). Os doutores franciscanos e dominicanos aprovaram as revelações de ambas as monjas de Helfta, o que assegurou sua ortodoxia na história da espiritualidade.

A devoção ao Coração de Jesus, nascida em ambiente monástico, será recolhida pelo movimento franciscano nos séculos XIII e XIV: experimentada por São Francisco no dom dos estigmas, entrevista em Santo Antônio de Pádua, encontrará seu desenvolvimento em São Boaventura, e nas místicas de influência franciscana.
São Boaventura e o Sagrado Coração de Jesus
(Foto: Salvem a Liturgia)

A CONTRIBUIÇÃO PRÓPRIA DE GERTRUDES

A contribuição fundamental de Santa Gertrudes ao desenvolvimento da devoção ao Sagrado Coração é sua própria experiência mística descrita em seus escritos; ela traz imagens específicas e um conjunto de símbolos através dos quais se traduz sua relação com o Coração de Cristo, os quais – ainda sem chegar a constituir uma tipologia sistemática – serão reeditados pelas místicas posteriores ao largo da história desta devoção, cada uma das quais a encarnará segundo seu tempo e sua própria cultura.

Por meio das graças místicas outorgadas a Santa Gertrudes, a devoção ao Sagrado Coração de Jesus ficou estabelecida em seu fundamento escriturístico. Em primeiro lugar, encontra sua fonte como dissemos, no relato do traspassamento de Jesus (Jo. 19, 31-37): Gertrudes recebe no seu interior os estigmas da Paixão, e seu coração é transpassado por um raio saído de seu Coração divino.

Por outro lado, não se trata da veneração das chagas de Cristo morto, senão das chagas gloriosas de Cristo ressuscitado. O Senhor concedeu a Santa Gertrudes introduzir sua mão em Seu Coração transpassado e retirá-la carregada de sete anéis de ouro, como sinal do pacto de amor que estabelecia com ela, e da garantia das promessas e dons divinos que lhe fazia (L II 20.9). Esta visão agrega, ao fundamento escriturístico de Jo 19, 31-37, a da passagem de Jo 20, 24-29, onde Cristo ressuscitado dá ao apóstolo Tomé uma prova de sua ressurreição, por meio de um gesto similar.
São João Evangelista encostando a cabeça no
peito de Cristo

Em outra visão vê o discípulo amado que, recostado sobre o peito do Senhor na última ceia, tinha bebido com abundância da doçura do Coração Divino, e que poucas horas depois viu esse mesmo coração transpassado com a lança. São João faz Gertrudes recostar consigo, sobre o peito de Jesus, e ela percebe algo da doçura divina das batidas do Coração Divino. Ao perguntar-lhe por que ele não havia escrito em seu Evangelho algo sequer da melíflua suavidade dessas pulsações, este lhe respondeu: “A eloquência da doçura dessas pulsações se dilatou para os tempos modernos, para que, ouvindo os homens estas maravilhas, se renove no mundo envelhecido e tíbio, o amor de Deus.” (L IV, IV). Esta visão fundamenta a devoção ao Sagrado Coração na passagem de João 13, 25 e coloca as bases de toda uma espiritualidade baseada na relação recíproca da alma fiel com o Coração divino.

Ademais, Gertrudes relê os textos do Antigo Testamento a partir do Mistério de Cristo, segundo a exegese espiritual que se praticava na Idade Média; e, em consequência, aplica ao Coração de Jesus diversas imagens veterotestamentárias que n'Ele encontram seu cumprimento. Entre elas, o Coração divino como a Arca da Aliança, a terra prometida, o Santo dos Santos, o buraco na rocha e a cavidade no muro onde a pomba faz seu ninho (cf. Ct 2,14).

Por outra parte, com Santa Gertrudes a devoção ao Sagrado Coração se mostra como originalmente derivada da Liturgia da Igreja e em dependência dela: no fundo, Gertrudes tem sempre diante dos olhos a cena de Cristo, agora glorioso, entronizado com nossa Humanidade na Santíssima Trindade, à direita do Pai, e intercedendo por nós; esta realidade, com se sabe, é o fundamento de toda a Liturgia. Gertrudes foca sua atenção e seu afeto no Amor divino do Redentor, único Mediador por quem temos acesso ao Pai, e por meio do qual nos vêm todas as graças; e encontra no Sagrado Coração, a imagem e o símbolo desse Amor. O tema da Suppletio é consequência desta concepção litúrgica: o que fazemos aqui na terra, não tem valor diante de Deus, senão em Cristo, por Ele e n'Ele, isto é, em união de intercessão com os méritos e orações de Cristo, união que para Gertrudes se realiza de coração a Coração. Assim, a devoção ao Sagrado Coração nasce como desenvolvimento ou prolongação do aspecto cristológico da Liturgia e fica vivificada pelo espírito da Liturgia.

Finalmente, suas visões ilustram o conteúdo teológico desta devoção: as relações do divino Coração no seio da Santíssima Trindade, sua ação na economia da graça, na Igreja Triunfante, militante e purgante, assim como a relação recíproca que estabelece com cada fiel.

Gertrudes não inova neste campo, mas desenvolve alguns aspectos de uma tradição que se considera herdeira. Com efeito, os Padres da Igreja sempre tinham visto no relato da transfixação de Jesus, a fonte salvífica, o nascimento da Igreja no dom do batismo e da eucaristia, e a comunicação do Espírito. Mas enquanto João Crisóstomo ou Agostinho contemplam toda a Igreja e os sacramentos que brotam do Lado transpassado, Gertrudes, em sua interiorização contemplativa, se detém mais na própria realidade do Coração ferido, fonte do amor doado, que se faz sacramento para permanecer conosco. Podemos dizer que a larga meditação dos Padres sobre o Lado transpassado encontra seu cumprimento e sua renovação na espiritualidade do Coração de Jesus que se inaugura a partir dos escritos de Santa Gertrudes de Helfta.
Uma das diversas aparições de Jesus a Santa Gertrudes

SÍMBOLOS E DOUTRINA QUE EMERGE DE SUAS VISÕES

O Senhor revela os mistérios de seu Coração a Santa Gertrudes através de diferentes imagens e situações simbólicas de imensa riqueza, pelos quais exemplifica sua ação sobrenatural nas almas. Se lhe apresenta como:

lâmpada suspensa no meio da alma (L III 25)

cítara (L IV 41), lira do Espírito Santo (L IV 48); instrumento em que sopra o Espírito Santo(L IV 12), órgão da Santíssima Trindade(L III 49), instrumento de suaves cadências (L V 1)

turíbulo de ouro (L IV 26), do que sobem ao Pai tantas colunas de fumaça quantas são as espécies de homens pelo qual o Senhor padeceu.

altar de ouro (L IV 59) que resplandece com raios de fogo, onde se oferecem os bens, orações e boas obras dos eleitos.

cálice (L III 30.2)que o Senhor oferece a Deus Pai; taça de ouro, que Jesus oferece a sua Mãe Virginal para que beba com regalada doçura(L III 46); copo em que o Senhor dá de beber a alma(L IV 23).

fonte dos auxílios da alma, de qual cada qual pode tirar tudo quando deseje(L III 30.1). Dele brotam rios (L III 53; III 9.4). Do lado aberto do Cordeiro mana uma fonte ao cálice de propiciação em favor das almas do purgatório(L IV 17).

templo para a alma (Livro III 28.1); casa (L IV 58); lugar de repouso (L III 4; III 30.37; III 53).

fogo inextinguível que sai vapor, água e sangue (L III 18.1);; que arde de amor com tantas chamas quantas pessoas há na Igreja (L IV 25).

sacrário cheio de um licor divino de abundante doçura (L II 8.4; IV 58); arca da divindade (L II 20.9; II 23.8); relicário em que corporalmente habita toda a plenitude da divindade (L II 7.1); digníssimo arquivo da Divindade (L III 25).

tesouro de infinita riqueza (L III 53; L V 30) em que se encerra todo o bem (L III 25).

horto do Paraíso (L V 30).

Santo dos Santos (Livro IV 4.3); buraco no muro (Ct. 2,14) onde a pomba faz seu ninho (L III 74.3).

As visões de Santa Gertrudes ilustram a ação do Coração divino na Igreja Triunfante, militante e purgante, assim como a relação recíproca que estabelece com cada fiel: Cristo sacia no céu as almas fiéis com seu coração deífico (L V 3); seu Coração está aberto de par em par para os que tiveram a caridade consumada (L V 10); Santa Matilde está unida ao Coração deífico enquanto agoniza e é absorvida por esse Coração na sua morte (L V 4). Gertrudes, ao expirar, é recebida no Coração divino (L V 1). O Senhor oferece seu coração no céu, à elevação da hóstia na Igreja (L IV 60); nele um anjo oferece as tribulações dela, as adversidades e trabalhos dos eleitos (L IV 60).

O Coração de Jesus destila inestimável doçura para o pecador arrependido que deseja se emendar (L IV 58). Inclina-se com ternura aos que são caluniados sem motivo, porque se assemelham a Ele, que sempre sofreu calúnias (L IV 58). O coração divino aspira os louvores com que é exaltado (L IV 48). Nele manam borbotões como estrelas de maravilhoso esplendor, por causa das virtudes da Mãe de Deus (L IV 48). O coração de cada santo, segundo a diferença de suas virtudes, canta continuamente ao Senhor melodiosos louvores (L IV 50). O divino Coração aspira e aquilata as boas obras que se executam pela Glória de Deus (L IV 9).

Cristo oferece todas as mortificações de seu coração ao Pai e às três vitórias que obteve contra o demônio, para a purificação dos eleitos (L IV 27). As pulsações perpétuas do Coração de Jesus operam a salvação dos justos e pecadores (III, 51). O coração divino recebe os louvores da alma fiel e derrama seus regalados eflúvios nos santos, nos mortais e nos defuntos (L III 24).

O amor de sua divina misericórdia força o Senhor a se compadecer ternamente de seus eleitos em todas as suas adversidades (L IV 23). O Coração transpassado do Salvador atrai a alma e a purifica (L III 18 2; III 26). Supre nossas fraquezas (L III 41), nossas negligências e fragilidades e deseja aperfeiçoar nossas boas obras com grande alegria (L III 25); aceita o oferecimento das dores e enfermidades (L III, 52). Dá a alma humilde, o orvalho abundante das virtudes e graças (L III 26); o que a seus próprios olhos se abaixa arrasta consigo o Coração de Deus (L III 5); a confiança fere amorosamente o Coração de Deus (L III 7); a alma unida ao Coração divino, produz copiosos frutos (L III 18.2). Nada pode impedir seu Coração de fazer o bem a sua escolhida(L III 18.1).

Ao que deseja oferecer como presente a própria emenda, o Divino coração lhe dá a luz para isso (L IV 5); do Coração do Senhor sai um resplendor que, como um farol, aponta o caminho aos que vem a Ele, ao contrário, os que se guiam por seus próprios meios, se extraviam (L IV 1). O coração de Gertrudes é uma lâmpada que o Senhor enche com o azeite de seu divino Coração e o pavio que o faz arder é a boa intenção (L IV 54). A chave do coração onde o Senhor mora com agrado é a vontade (IV 23). As tristezas nos colocam mais próximos do divino Coração (L IV 15). Gertrudes busca os secretos desígnios e disposições do Coração do Senhor (L III 43). Meditar e conservar as palavras da Paixão arrasta o amor do divino Coração (L IV 52). Dirigir o pensamento afetuoso ao Coração de Jesus supre o que, por fraqueza corporal, não se pode oferecer (L IV 51). Quem encomenda todas suas coisas à divina bondade, percebe a doçura do Coração de Jesus (L III 53).
"O coração de Gertrudes é uma lâmpada que o Senhor enche
com o azeite de seu divino Coração e o
pavio que o faz arder é a boa intenção
"
(Foto: Gaudium Press)

O Espírito Santo mora no divino Coração de Jesus (IV 38) e também Deus Pai tem um Coração, em que Jesus submerge uma hóstia e a retira avermelhada, como banhada em sangue. Esta revelação deixa perplexa e pensativa Gertrudes, “porque o vermelho simboliza a Paixão e nunca houve nenhum tipo de sofrimento em Deus Pai” (L III 17).

Ainda que vestida de modo concreto e circunstanciado – através da narração de sua próprias visões – e expressa em uma linguagem metafórica de grande ressonância evocativa, o ensinamento de Santa Gertrudes resulta de alta solidez teológica, e explica a ação do Coração de Cristo na economia da graça e na santificação das almas, nas suas relações com a Santíssima Trindade e com a Igreja Triunfante, militante e purgante. Daí porque a tradição cristã lhe tenha atribuído o justo título de Teóloga do Sagrado Coração de Jesus.

Em síntese, a partir da experiência mística de Santa Gertrudes se inicia, de um modo consistente, a prática da devoção ao Sagrado Coração de Jesus, estabelecem-se os fundamentos bíblico e litúrgico de sua espiritualidade, e se desenvolve seu conteúdo teológico.



___________Ana Laura Forastieri, OCSO/Monastério de la Madre de Cristo – Hinojo – Argentina, traduzido por José Eduardo Câmara de Barros Carneiro, para a Abadia Nossa Senhora Aparecida, das Monjas Cistercienses de Campo Grande.



NOTAS (da fonte):

[1] Bibliografia:

Hugues MINGUET, osb, Theologie spirituelle de Sainte Gertrude: Le livre II du “Héraut” (III Partie), en Collectanea Cisterciensia 51 (1989) 317-328;

Dictionarire de Spiritualité Ascetique et Mistique, Doctrine et Historie, Tomo II (1ª Parte), Beauchesne Editeurs, Paris 1948, sub voce: Coeur (Sacré) cols. 1023-1046;

Cipriano Vagaggini, El sentido Teológico de la Liturgia, BAC Madrid, 1965; capítulo 22: El ejemplo de una mística: Santa Gertrudis y la espiritualidad litúrgica(pp. 696-753), en especial: La devoción al Sagrado Corazón, pp. 748 ss.

[2] N.T. Mensagem da Misericórdia Divina – Arauto do Divino Amor. Assim se intitula a versão brasileira do escritos de Santa Gertrudes, realizada pelo Mosteiro da Santa Cruz de Juiz de Fora, em 2012. Já está publicado pelas Edições Subiaco, deste Mosteiro, o primeiro volume, que contém os três primeiros livros de Santa Gertrudes. Estas estão também editam os Exercícios Espirituais de Santa Gertrudes.
[3] “L” designa: Legatus Divinae Pietatis. O número romano indica o livro, e o arábico, o capítulo e o parágrafo.




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FONTE: http://www.claustrum.com.br/2016/11/16/santa-gertrudes-precursora-da-devocao-ao-sagrado-coracao/ - Texto revisto por nós, assim como acrescentamos alguns destaques.


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1“Dolorista”: que enaltece ou exalta o sofrimento.

2 “A doutrina da suppletio, tão característica de Gertrudes, une-se na linha da correspondência de Deus. A suave bondade do Senhor, inata e essencial à sua natureza, não porque ama, mas porque é o próprio amor, inclina-se até a última das criaturas humanas para atrair do mais extremo da sua excessiva beleza e fazê-la participante de sua majestade e sua divindade, sem dúvida para estabelecer com esse exemplo a confiança de toda pessoa que vive neste mundo. - Ir. Andrea da Santíssima Trindade, OSB. Mosteiro da Santíssima Trindade, Santa Rosa (RS). cf. http://refletindo7.blogspot.com/2015/12/santa-gertrudes-de-helfta-e-o-coracao.html

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