HORA
SANTA DO MÊS DE OUTUBRO
(Por
Santo Afonso de Ligório)
"Eis o Coração que tanto amou os homens" (postal francês - tradução livre) |
CORAÇÃO
AFLIGIDO DE JESUS, ASILO DAS ALMAS TENTADAS
A
que combates interiores o Coração de Jesus não quis submeter-se no
Jardim das Oliveiras? De um lado, uma viva repugnância à
sua
Paixão lhe fazia dizer: Afaste-se
de mim este cálice amargo!
Do outro,
uma perfeita submissão à
vontade
de seu Pai lhe fazia ajuntar logo: Entretanto,
ó meu Pai, faça-se a vossa vontade e não a minha!
(Mt 26, 39) Nesta
circunstância, Jesus Cristo quis nos mostrar que ele tinha tomado
realmente sobre si as misérias de nossa humanidade; mas ao mesmo
tempo, mereceu-nos uma força que supera nossa fraqueza, porque,
tendo
sido ele mesmo tentado,
diz
S. Paulo, pode
nos socorrer nas tentações.
(Hb 2, 18)
Como
assim? É que nosso Salvador, depois de ter padecido as tentações1,
ficou
mais propenso a se compadecer de nossos males e a nos ajudar quando
tentados. Esta explicação nos é dada pelo Apostolo nesta passagem:
Nós
não temos um Pontífice incapaz de se compadecer de nossas
fraquezas: para ser mais semelhante a nós, ele as experimentou
todas, exceto o pecado.
(Hb 4, 15)
E
então
nos exorta a recorrermos com confiança ao trono da graça, isto é,
ao Coração de Jesus, para
recebermos os socorros de que temos necessidade. Consolemo-nos,
pois, eis que acabamos de achar o verdadeiro porto e lugar de refúgio
nas tempestades das tentações: é o Coração de Jesus.
Deus
permite que as almas santas sejam provadas pelas tentações, a fim
de que conheçam melhor sua fraqueza e a necessidade que têm do
socorro divino para não sucumbirem. Ele o permite também para
torná-las mais ricas em merecimentos, como foi dito a Tobias: Porque
ereis agradável a Deus,
foi
necessário que a tentação vos pusesse à prova.
(Tb 12, 13) Enfim,
para desapegá-las cada vez mais da terra e fazer que desejassem mais
ardentemente ir gozar de sua presença no céu. As boas almas,
vendo-se assaltadas, dia e noite, por tantos inimigos, enojam-se da
vida presente, e clamam gemendo com o Profeta; Ah!
Quanto dura meu exílio!
(Sl 119, 5)
Não
nos perturbemos à
vista
destas tentações. Se o Coração de Jesus é por nós, que podem
contra nós todos os esforços do inferno?" Ah! Ele é um
Coração fiel:
não
permite que sejamos tentados acima de nossas forças; ao contrario,
grande proveito nos faz tirar da tentação.
Este
é o ensino do grande Apóstolo. (I Cr 10, 13)
Aquele
então que resiste à
tentação,
não perde nada e ganha muito. Siga o aviso de Santo Agostinho, isto
é, ponha-se
com a alma cheia de confiança no Coração de Jesus, e nada tema;
porque
Jesus é tão bom! Que
não se retirará de maneira a nos deixar sucumbir.
Como
poderíamos temer que o Senhor nos recuse o socorro, depois dele nos
ter feito tantas e tão belas promessas? Quando
vossos inimigos vos apertem, diz
ele, invocai-me,
eu
vos
tirarei do perigo, e vós me glorificareis.
(Sl
49, 15) –
Então
chamareis o Senhor em vosso socorro, e ele vos ouvirá; clamareis:
Depressa, Senhor, socorrei-me;
e
ele vos responderá: Eis-me aqui, presente estou para vos defender.
(Is 58, 9)
–
O
Senhor está
perto e muito perto daqueles que o invocam. Não
esqueçamos invocar os santos nomes de Jesus e Maria, que têm
virtude particular, principalmente contra as tentações impuras.
Logo
que os meninos percebem o lobo,
dizia
S. Francisco de Sales, correm
a lançar-se nos braços de seu pai e de sua mãe, e aí se conservam
em segurança.
Façamos
o mesmo: vamos pôr-nos em segurança nos Corações de Jesus e de
Maria, invoquemos logo seus santos nomes, sem prestar ouvido à
tentação,
sem raciocinar com ela.
Se
o Coração agonizante de Jesus é
nosso
asilo nas lutas da vida, sê-lo-á principalmente na luta decisiva da
morte. Nessa hora, mais que nunca, teremos que temer os assaltos do
inferno; ele se esforçará tanto mais por nos perder, quanto nos vir
mais perto do nosso fim.
Rainaldo
conta de S. Elzear, cristão de vida muito pura, que, ao aproximar-se
a hora de sua morte, os demônios lhe fizeram terríveis assaltos, e
ele disse então: As
tentações do inferno são bem grandes neste momento,
mas Jesus
Cristo lhes tira sua força pelos merecimentos de sua Paixão.
Jesus
Cristo mesmo quis ser perturbado vendo a morte de perto; quis sentir
esta pena, a
fim
de que, se experimentássemos alguma turbação em nossa morte, não
perdêssemos a confiança, lembrando-nos de que nosso Salvador
padeceu a mesma aflição. Se, pois, nesse momento
supremo, o demônio quer nos aterrar, representando-nos as faltas de
nossa mocidade, responder-lhe-emos com S. Bernardo: Faltam-me
muitos
merecimentos para ir para o paraíso, bem o sei; mas o que me falta,
eu tomo no meu tesouro que é o Coração de Jesus;
aí
se acham
para
mim todos os merecimentos
d'Aquele
que se dignou padecer e morrer precisamente para me obter a gloria
eterna de que sou indigno.
S. Francisco de Sales pensava no Coração de Jesus, quando
exclamava, cheio de confiança sem limites: Eu
viverei
e morrerei sobre seu peito; nem a morte nem a vida me separarão
d'Ele.
PRÁTICA
Em
todas as penas, desânimos, tentações, obscuridades, lançarei
minha alma com santo abandono nos Corações de Jesus e Maria;
pronunciarei afetuosamente seus doces nomes, e ficarei
em repouso. Deste modo adquirirei
o
hábito de orar, que me será de grande preço à
hora
da minha morte.
AFETOS
E SÚPLICAS
Ó
meu
Jesus, é
pouco
um coração para vos amar; ah! se eu possuísse os corações de
todos os homens! Mas ainda seria pouco. Que ingratidão seria dividir
meu coração entre vós e as criaturas! Não, meu amor, nada de
partilha: vós quereis e mereceis meu coração todo: eu quero vo-lo
dar inteiramente. Se não sei vo-lo dar como devo, tomai-o vós
mesmo, a fim
de
que eu possa em verdade vos chamar o
Deus
de
meu Coração.
(Sl 72, 26) Rogo-vos,
divino Redentor meu, pelos merecimentos infinitos da vida que
quisestes passar por mim nas humilhações e padecimentos,
concedei-me a verdadeira humildade, que me faça amar a
vida
obscura e desprezada. Fazei que eu abrace com amor as enfermidades,
as afrontas, as perseguições, as penas interiores, e todas as
cruzes que me vierem de vossa mão. Fazei que eu vos ame, e depois
tratai-me como for de vosso agrado. Ó
Coração
amante de Jesus, abrasai-me de amor para convosco, fazendo-me
conhecer o imenso bem que em vós se acha. Fazei que eu seja todo
para vós antes de morrer. Eu vos amo, ó meu Jesus, tão digno e tão
desejoso de meu amor, eu vos amo de todo o meu coração e com toda a
minha alma.
ORAÇÃO
JACULATÓRIA
Ó
Coração de Jesus, assisti-me nos meus derradeiros combates contra o
inferno.
EXEMPLO
Se
as almas santas receberam do céu favores extraordinários, é
forçoso confessar que os compraram bem caro. A vida de Amada
Débillot, na religião soror Saint-Martinien, é prova disto. Ela
foi recebida na casa das irmãs de S. Carlos em Angers no ano 1852
para
tratar os enfermos nos hospitais. «Feliz
sou, dizia ela, de poder consagrar minha vida ao divino Jesus,
dedicando-me a obras tão agradáveis a seu amável Coração. Eu o
amo nos seus membros enfermos.» Entre tantos doentes que ela tratou,
quase
não se encontra um só que haja resistido a seu zelo. Seu grande
segredo para os converter, era oferecer a Deus em favor deles suas
orações, seus trabalhos e padecimentos. Durante nove anos seus dias
inteiros se passaram nos exercícios da
mais penosa caridade; muitas vezes na semana lhe era necessário
assistir às operações mais graves, apesar das repugnâncias que
talvez para outros teriam parecido invencíveis. Devendo pensar cada
dia horríveis chagas, ela tinha gosto em pedir para si os infelizes
a quem a infecção da enfermidade tornava repugnantes a todos os
outros. Vendo-a sempre alegre, ninguém poderia pensar que ela tinha
que fazer horríveis violências a si. Débillot dizia à sua própria
natureza: «Sim,
revolta-te, faze o que quiseres, não te concederei nada.»
Entretanto, Deus não esquecia sua serva. Algumas vezes, no forte de
suas penas, ela exclamava: «É
muito, Senhor, sim, é muito; não posso mais; retirai a abundância
de vossas consolações ou aumentai meu coração.»
Um dia Nosso Senhor lhe disse: «Os esposos da terra oferecem
diamantes à esposa que escolheram; eu te escolhi, bem o sabes;
pedi-me o que quiseres, e logo te darei.» Ela respondeu-lhe que,
vendo-o com os açoutes, a corôa de espinhos, a cruz, os cravos, o
fel, a lança, os desprezos, as injurias, ela não queria outra
coisa; estes eram os diamantes que ambicionava, mas queria também
ver seu coração no Coração de seu amável Esposo. Para
recompensar sua serva de tanta caridade, o Salvador lhe disse: «Há
tanto tempo tu
me
rogas para que meu Coração seja no teu, e o teu no meu; para que
isto se faça, é necessário que consintas em viver da minha vida,
que se passou nas
tristezas, nojos, desamparos, padecimentos, e no desejo
de glorificar meu Pai. Queres viver assim? Queres ser a companheira
inseparável de meus padecimentos?» Quando se apresentava a
Cruz,
ela repetia: «Meu Deus, o que quiserdes, tudo o que quiserdes, nada
senão aquilo que quiserdes.»
Na
sua última enfermidade conservava sempre o crucifixo entre as mãos,
beijando com amor as cinco chagas, principalmente a do Sagrado
Coração. «Meu coração no seu Coração!»
dizia
ela toda em êxtase.» «Tenho confiança, dizia esta piedosa amante
de Jesus à
Madre
Superiora, pus meu coração no Coração de Jesus; ele o
mudará,
e eu serei mudada n'Ele.»
Sua
preciosa morte se deu em 1863.
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FONTE:
livro “O
Sagrado Coração de Jesus Segundo Santo Afonso Maria de Ligório ou
Meditações Para o Mês do Sagrado Coração, a Hora Santa e a
Primeira Sexta-Feira do Mês”,
tradução portuguesa da 83ª edição, por D. Joaquim Silvério de
Souza, Quinta Edição/1926, Ratisbona Typographia de Frederico
Pustet, Impressor da Santa Sé, pp. 262-268 – Texto revisto,
atualizado e adaptado para o português do Brasil)
_______________
1
Falando de Jesus Cristo, a palavra tentação
não
significa a funesta inclinação para o mal, a que somos sujeitos
em consequência de nossa natureza corrompida; mas sim o temor, o
desgosto, a tristeza, as dores e todas as penas interiores e
exteriores que ele quis padecer por nós durante sua vida mortal.
–
O
Salvador
pôde ser tentado exteriormente pelo demônio, como aconteceu no
deserto, mas nunca interiormente.
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