«Eis o Coração que tanto amou os homens, que não poupou nada até esgotar-se e consumir-se, para lhes testemunhar seu amor; e por reconhecimento não recebe da maior parte deles senão ingratidões.»(Sagrado Coração de Jesus a Santa Margarida Maria Alacoque)

sexta-feira, 19 de outubro de 2018


DEVOÇÃO AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS: CONSAGRAÇÃO E REPARAÇÃO


Em 16 de Julho de 1675, durante a oitava da celebração de Corpus Christi, em sua Terceira Revelação, Jesus se manifesta a Santa Margarida Maria e, apresentando seu Sacratíssimo Coração, faz-lhe essa sentida queixa:

«Eis aqui o Coração que tanto amou aos homens, nada poupando até definhar e consumir-se para dar testemunho do seu amor; e eu, neste mistério de amor, da maior parte dos homens só recebo ingratidões, irreverências e sacrilégios, friezas e desprezos com que me afligem neste Sacramento de amor.»1



Sua Santidade, o Papa Pio XI, por meio da Encíclica Miserentissimus Redemptor, a 8 de Maio de 1928 (sétimo ano de seu pontificado), exortava que se aliasse ao ato de consagração ao Sagrado Coração de Jesus o dever de reparação diante de tantas ingratidões, agravos, irreverências e pecados cometidos contra o Amor de Cristo, ora representado por seu Coração.

Pois bem. Vejamos2.

Dentre todas as práticas de culto ao Coração de Jesus, convém assinalar o ato de consagração, com que nos entregamos totalmente ao Coração Divino, reconhecendo que da divina bondade recebemos todo bem. Quando o Salvador, movido mais pelo amor para conosco do que por seus soberanos direitos, revelou à inocente discípula de seu Coração, Margarida Maria, quanto desejava que os homens lhe tributassem esta piedosa homenagem, Margarida, como seu confessor, o Pe. Cláudio de la Colombière, foi a primeira a cumprir esse desejo de Jesus. Outro tanto foram fazendo, no decorrer dos anos, indivíduos, famílias e associações, e por fim, magistrados, cidades e povos inteiros. E como, no século passado e em nossos tempos, as maquinações dos ímpios tentaram rejeitar a realeza do Senhor Jesus, guerrear ostensivamente à Igreja com leis adversas ao direito divino ou à lei natural, e chamar em assembleias públicas: 'Não queremos que reine sobre nós' (Lc 19, 14), a consagração, irrompendo dos cristãos em altas vozes e uníssona, como protesto de fidelidade, vingava a glória e afirmava os direitos do Coração Santíssimo: 'É mister que Cristo reine' (1 Cor 15, 25). 'Venha a nós o vosso Reino'. Finalmente, como consequência feliz, no início do nosso século, o nosso predecessor de feliz memória, Leão XIII, anuindo aos pedidos do universo cristão consagrou ao Sagrado Coração todo o gênero humano, de que Jesus Cristo – no qual todas as coisas são restauradas (Ef 1, 10) – é o Rei por direito de natureza.

Pois, com efeito, se a consagração tem por fim principal, responder com amor ao amor infinito de nosso Deus, é consequência manifesta que devemos desagravar o amor incriado da injustiça que lhe infligem tantas negligências, esquecimentos e injúrias – é este o conceito de reparação.
Papa Pio XI
(Foto: sl.wikipedia.org)

Ao desagravo obriga-nos um duplo dever de justiça e de amor. Da justiça, pois cumpre-nos expiar a ofensa feita a Deus pelas nossas culpas, restabelecendo assim a ordem violada. De amor, pois assim damos prova de nos compadecermos de Cristo padecente, 'saturado de opróbrios', dando-lhe, na medida de nossa pequenez, algum consolo. Pecadores que somos todos, réus de múltiplas culpas, ao nosso Deus não só devemos honrar com culto de adoração, ofertando à suma majestade as devidas homenagens, com o culto de reconhecimento, que enaltece a sua grandeza infinita; devemos ainda prestar ao nosso Deus justíssimo a reparação de nossos 'inumeráveis pecados, ofensas e negligências'. À consagração, portanto, que nos volta a Deus e nos vale o título de 'dedicados a Deus', com a santidade e firmeza – no sentir do Doutor Angélico (2-2, q. 81, a. 8, c) – próprias deste ato, é mister juntar outrossim a expiação, que apaga inteiramente os pecados, para que a santidade da justiça infinita não nos repila como indignos e imprudentes, e recuse o nosso presente sem sequer dignar-se de deitar-lhe a vista.

Este dever de desagravo cabe ao gênero humano inteiro, já que, como no-lo ensina a fé cristã, após a deplorável queda de Adão, manchado com o pecado original, está sujeito à concupiscência, entregue a lastimosas depravações e é merecedor de perdição eterna. Muito embora soberbos filósofos dos nossos tempos neguem essa verdade, renovando o erro antigo de Pelágio3, enaltecendo a virtude inata do gênero humano a altear-se até os mais remontados cimos; o Apóstolo rejeita essas falsas teorias do orgulho humano, lembrando-nos de que 'éramos, por natureza, filhos da ira' (Ef 2, 3). Por isso, desde o berço da humanidade, reconheceram os homens este dever de expiação comum e, guiados pela luz natural, começaram a cumpri-lo, ofertando a Deus sacrifícios, até mesmo públicos e coletivos.

Assim, pois, como a consagração proclama e confirma a nossa união com Cristo, assim o desagravo, enquanto nos purifica de nossas culpas, dá princípio a esta mesma união, desenvolve-a, tornando-nos participantes dos sofrimentos de Cristo, e leve-a a seu total cumprimento mediante a oblação de sacrifícios em prol de nossos irmãos. Este foi exatamente o misericordioso desígnio de Jesus, quando se dignou revelar-nos o seu Coração Santíssimo com os emblemas da Paixão e a arder em chamas de amor: quis, por uma parte, que entendêssemos a malícia infinita do pecado, e que, por outra, admirando a infinita caridade do Redentor, detestássemos com todas as forças o pecado e com amor retribuíssemos o amor.

E, na verdade, o espírito de expiação ou desagravo foi sempre parte principal do culto que se tributa ao Coração de Jesus, e é por certo a prática mais condizente com a história, a natureza, a eficácia, a índole própria deste culto, segundo demonstram os fatos, a praxe dos fieis, a sagrada liturgia e os atos dos Sumos Pontífices. Com efeito, ao manifestar-se a Margarida Maria, Jesus, ao mesmo tempo que enaltece a imensidade do seu amor, com aspecto aflito e consternado, lamenta-se das inúmeras e graves ofensas que recebe da ingratidão dos homens, com termos que prontamente deveriam repercutir no âmago de quantos o queiram e nunca apagar-se de sua memória: «Eis – diz – o Coração que tanto amou os homens, que os encheu de inúmeros benefícios; mas em troca de seu amor infinito, bem longe de encontrar reconhecimento, só recebe indiferença, esquecimento e ofensas; e assim correspondem almas, que lhe deveriam tributar homenagem de especial amor». Para desagravar essas culpas, entre outros piedosos exercícios, o próprio Jesus indicou como especialmente gratas a seu Coração Santíssimo a Comunhão, que por isso mesmo se chama Reparadora, e a prática da Hora Santa, consagrada a atos e orações expiatórios – devoções estas que a Igreja não somente aprovou, mas enriqueceu com copiosos favores espirituais.

Quantos abrasados pelo amor a Jesus padecente, aplicarem o ânimo a estas considerações, não poderão deixar de reparar com maior empenho a honra de Cristo, expiar as culpas próprias e alheias e procurar a eterna salvação das almas. Por certo, podemos, de algum modo, aplicar a nossos tempos as palavras do Apóstolo: 'Onde abundou o pecado, superabundou a graça' (Rm 5, 20). Com efeito, acrescidas em vasta proporções a malícia humana, também vai aumentando, de modo prodigioso, por mercê do Espírito Santo, o número dos fieis de ambos os sexos, que, com ânimo mais generoso, se esforçam por dar satisfação ao Coração Divino pelas injúrias que recebe, a ponto de não duvidarem em oferecer-se a Cristo como vítimas. […]


Por estes motivos, veneráveis irmãos, assim como a prática da consagração, nascida de humildes inícios e depois largamente espalhada, recebeu com a nossa aprovação o esplendor e a desejada coroa, assim também muito desejamos que o ato de desagravo, já há tempo santamente introduzido e propagado, tenha o mais firme sinete de nossa autoridade apostólica e se torne o seu uso mais universal e mais solene no meio do provo cristão. Estabelecemos, portanto, e mandamos que todos os anos, na festa do Coração Santíssimo de Jesus – que, nesta ocasião, havemos por bem elevar à dupla de primeira classe com oitava – em todas as igrejas do mundo se faça, uniformemente, de acordo com a fórmula anexa à presente Encíclica, um ato solene de desagravo a nosso amadíssimo Redentor, para reparar assim as nossas culpas e ressarcir os violados direitos de Cristo, Sumo Rei e Senhor.

Com essas palavras, dentre outras, o Santo Padre firmemente exorta a unirmos à consagração a reparação ao Sacratíssimo Coração de Jesus, lembrando-nos, portanto, que a devoção ao Divino Coração tem esse duplo aspecto: consagrar-Lhe nosso amor e reparar, expiar nossas próprias faltas e as de nosso próximo, materializadas nos inúmeros pecados cometidos, nas injúrias, sacrilégios e profanações cometidas contra o Sacramento do Amor, presente em inúmeros Sacrários pelo mundo.

Cremos que, além do ato solene a ser realizado em todas as igrejas na festa anual, mensalmente, e especialmente durante a Hora Santa, a oração composta pelo Pontífice deve ser recitada, com autêntico espírito de devoção e compromisso de não se voltar a agravar o Coração de Jesus.

A seguir, transcrevemos o Ato de Desagravo composto por Pio XI, anexo à Encíclica:

ATO DE DESAGRAVO AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS


Dulcíssimo Jesus, cuja infinita caridade para com os homens é por eles tão ingratamente correspondida com esquecimentos, friezas e desprezos, eis-nos aqui prostrados, diante do vosso altar, para vos desagravar, com especiais homenagens, pela insensibilidade tão insensata e pelas nefandas injúrias com que é de toda parte, alvejado o vosso amorosíssimo Coração.

Reconhecendo, porém, com a mais profunda dor, que também nós, mais de uma vez, cometemos as mesmas indignidades, para nós, em primeiro lugar, imploramos a vossa misericórdia, prontos a expiar não só nossas próprias culpas, senão também as daqueles que, errando longe do caminho da salvação, ou se obstinam na sua infidelidade, não vos querendo como pastor e guia, ou conculcando as promessas do batismo, sacudiram o suavíssimo jugo da vossa santa Lei.

De todos estes tão deploráveis crimes, Senhor, queremos nós hoje desagravar-vos, mas particularmente pela licenciosidade dos costumes e imodéstias no vestir, por tantos laços de corrupção armados à inocência, pela violação dos dias santificados, pelas execrandas blasfêmias contra vós e vossos santos, pelos insultos ao vosso vigário e a todo o vosso clero, pelo desprezo e pelas horrendas e sacrílegas profanações do Sacramento do divino amor, e, enfim, pelos atentados e rebeldias oficiais das nações contra os direitos e o magistério da vossa Igreja.

Oh! se pudéssemos lavar com o próprio sangue tantas iniquidades!

Entretanto, para reparar a honra divina ultrajada, vos oferecemos, juntamente com os merecimentos da Virgem Mãe, de todos os santos e almas piedosas, aquela infinita satisfação que vós oferecestes ao Pai eterno sobre a cruz, e que não cessais de renovar todos os dias sobre os nossos altares.

Ajudai-nos, Senhor, com o auxílio da vossa graça, para que possamos, como é nosso firme propósito, com a viveza da fé, com a pureza dos costumes, com a fiel observância da lei e caridade evangélicas, reparar todos os pecados cometidos por nós e por nosso próximo, impedir por todos os meios novas injúrias à vossa divina Majestade e atrair, ao vosso serviço, o maior número de almas possível.

Recebei, ó benigníssimo Jesus, pelas mãos de Maria Santíssima Reparadora, a espontânea homenagem deste nosso desagravo, e concedei-nos a grande graça de perseverarmos constantes até a morte no fiel cumprimento dos nossos deveres e no vosso santo serviço, para que possamos chegar à Pátria bem-aventurada, onde vós, com o Pai e o Espírito Santo, viveis e reinais – Deus – por todos os séculos. Assim seja

Por Maria a Jesus!

Sou todo teu, Maria.


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1 cf. opúsculo, em formato PDF, “Santa Margarida Maria Alacoque. A Esposa do Sagrado Coração de Jesus. Historia de sua Vida”, Compilada pelo Servo de Deus Pe. André Beltrame da Pia Sociedade Salesiana,Escolas Profissionais do Lyceu C. de Jesus, 2ª edição brasileira, São Paulo/1932, Cap. XVIII, p. 52.

2 Opúsculo “Encíclicas Sobre o Sagrado Coração de Jesus. Miserentissimus Redemptor-Pio XI. Sobre o Culto do SS. Coração de Jesus. Haurietis Aquas-Pio XII”, Edições Loyola, 2ª edição, São Paulo/1990, pp. 3 a 13 (excertos).

3 “Pelagianismo”: Trata-se de uma heresia iniciada por um monge oriundo da Bretanha, chamado Pelágio. Ele dizia que não era necessário o auxílio da graça de Deus para que o homem realizasse atos de virtude. Cristo morreu na cruz e deu o exemplo. Bastaria ao homem segui-lo. Santo Agostinho que por trinta anos viveu amarrado às correntes do pecado sabia que a afirmação de Pelágio era falsa. Ele sabia da incapacidade do homem em vencer o pecado sem o auxílio da graça divina. A heresia pelagiana foi condenada no XV Sínodo de Cartago, iniciado em 01 de maio de 418 […] (cf. https://padrepauloricardo.org/episodios/o-que-e-o-pelagianismo)

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