DEVOÇÃO AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS: CONSAGRAÇÃO E REPARAÇÃO
Em
16 de Julho de 1675, durante a oitava da celebração de Corpus
Christi,
em sua Terceira Revelação, Jesus se manifesta a Santa Margarida
Maria e, apresentando seu Sacratíssimo Coração, faz-lhe essa
sentida queixa:
«Eis aqui o Coração que tanto amou aos homens, nada poupando até definhar e consumir-se para dar testemunho do seu amor; e eu, neste mistério de amor, da maior parte dos homens só recebo ingratidões, irreverências e sacrilégios, friezas e desprezos com que me afligem neste Sacramento de amor.»1
Sua
Santidade, o Papa Pio XI, por meio da Encíclica Miserentissimus
Redemptor,
a 8 de Maio de 1928 (sétimo ano de seu pontificado), exortava que se
aliasse ao ato de consagração ao Sagrado Coração de Jesus o dever
de reparação diante de tantas ingratidões, agravos, irreverências
e pecados cometidos contra o Amor de Cristo, ora representado por seu
Coração.
“Dentre
todas as práticas de culto ao Coração de Jesus, convém assinalar
o ato de consagração, com que nos entregamos totalmente ao Coração
Divino, reconhecendo que da divina bondade recebemos todo bem.
Quando o Salvador, movido mais pelo amor para conosco do que por seus
soberanos direitos, revelou à inocente discípula de seu Coração,
Margarida Maria, quanto desejava que os homens lhe tributassem esta
piedosa homenagem, Margarida, como seu confessor, o Pe. Cláudio de
la Colombière, foi a primeira a cumprir esse desejo de Jesus. Outro
tanto foram fazendo, no decorrer dos anos, indivíduos, famílias e
associações, e por fim, magistrados, cidades e povos inteiros. E
como, no século passado e em nossos tempos, as maquinações dos
ímpios tentaram rejeitar a realeza do Senhor Jesus, guerrear
ostensivamente à Igreja com leis adversas ao direito divino ou à
lei natural, e chamar em assembleias públicas: 'Não queremos que
reine sobre nós' (Lc 19, 14), a consagração, irrompendo dos
cristãos em altas vozes e uníssona, como protesto de fidelidade,
vingava a glória e afirmava os direitos do Coração Santíssimo: 'É
mister que Cristo reine' (1 Cor 15, 25). 'Venha a nós o vosso
Reino'. Finalmente, como consequência feliz, no início do nosso
século, o nosso predecessor de feliz memória, Leão XIII, anuindo
aos pedidos do universo cristão consagrou ao Sagrado Coração todo
o gênero humano, de que Jesus Cristo – no qual todas as coisas são
restauradas (Ef 1, 10) – é o Rei por direito de natureza.
“Pois,
com efeito, se a consagração tem por fim principal, responder com
amor ao amor infinito de nosso Deus, é consequência manifesta que
devemos desagravar o amor incriado da injustiça que lhe infligem
tantas negligências, esquecimentos e injúrias – é este o
conceito de reparação.
Papa Pio XI (Foto: sl.wikipedia.org) |
“Ao
desagravo obriga-nos um duplo dever de justiça e de amor. Da
justiça, pois cumpre-nos expiar a ofensa feita a Deus pelas nossas
culpas, restabelecendo assim a ordem violada. De amor, pois assim
damos prova de nos compadecermos de Cristo padecente, 'saturado de
opróbrios', dando-lhe, na medida de nossa pequenez, algum consolo.
Pecadores que somos todos, réus de múltiplas culpas, ao nosso Deus
não só devemos honrar com culto de adoração, ofertando à suma
majestade as devidas homenagens, com o culto de reconhecimento, que
enaltece a sua grandeza infinita; devemos ainda prestar ao nosso Deus
justíssimo a reparação de nossos 'inumeráveis pecados, ofensas e
negligências'. À consagração, portanto, que nos volta a Deus e
nos vale o título de 'dedicados a Deus', com a santidade e firmeza –
no sentir do Doutor Angélico (2-2, q. 81, a. 8, c) – próprias
deste ato, é mister juntar outrossim a expiação, que apaga
inteiramente os pecados, para que a santidade da justiça infinita
não nos repila como indignos e imprudentes, e recuse o nosso
presente sem sequer dignar-se de deitar-lhe a vista.
“Este
dever de desagravo cabe ao gênero humano inteiro, já que, como
no-lo ensina a fé cristã, após a deplorável queda de Adão,
manchado com o pecado original, está sujeito à concupiscência,
entregue a lastimosas depravações e é merecedor de perdição
eterna. Muito embora soberbos filósofos dos nossos tempos neguem
essa verdade, renovando o erro antigo de Pelágio3,
enaltecendo a virtude inata do gênero humano a altear-se até os
mais remontados cimos; o Apóstolo rejeita essas falsas teorias do
orgulho humano, lembrando-nos de que 'éramos, por natureza, filhos
da ira' (Ef 2, 3). Por isso, desde o berço da humanidade,
reconheceram os homens este dever de expiação comum e, guiados pela
luz natural, começaram a cumpri-lo, ofertando a Deus sacrifícios,
até mesmo públicos e coletivos.
“Assim,
pois, como a consagração proclama e confirma a nossa união com
Cristo, assim o desagravo, enquanto nos purifica de nossas culpas, dá
princípio a esta mesma união, desenvolve-a, tornando-nos
participantes dos sofrimentos de Cristo, e leve-a a seu total
cumprimento mediante a oblação de sacrifícios em prol de nossos
irmãos. Este foi exatamente o misericordioso desígnio de Jesus,
quando se dignou revelar-nos o seu Coração Santíssimo com os
emblemas da Paixão e a arder em chamas de amor: quis, por uma parte,
que entendêssemos a malícia infinita do pecado, e que, por outra,
admirando a infinita caridade do Redentor, detestássemos com todas
as forças o pecado e com amor retribuíssemos o amor.
E,
na verdade, o espírito de expiação ou desagravo foi sempre parte
principal do culto que se tributa ao Coração de Jesus, e é por
certo a prática mais condizente com a história, a natureza, a
eficácia, a índole própria deste culto, segundo
demonstram os fatos, a praxe dos fieis, a sagrada liturgia e os atos
dos Sumos Pontífices. Com efeito, ao manifestar-se a Margarida
Maria, Jesus, ao mesmo tempo que enaltece a imensidade do seu amor,
com aspecto aflito e consternado, lamenta-se das inúmeras e graves
ofensas que recebe da ingratidão dos homens, com termos que
prontamente deveriam repercutir no âmago de quantos o queiram e
nunca apagar-se de sua memória: «Eis
– diz – o Coração que tanto amou os homens, que os encheu de
inúmeros benefícios; mas em troca de seu amor infinito, bem longe
de encontrar reconhecimento, só recebe indiferença, esquecimento e
ofensas; e assim correspondem almas, que lhe deveriam tributar
homenagem de especial amor».
Para desagravar essas culpas, entre outros piedosos exercícios, o
próprio Jesus indicou como especialmente gratas a seu Coração
Santíssimo a Comunhão, que por isso mesmo se chama Reparadora, e a
prática da Hora Santa, consagrada a atos e orações expiatórios –
devoções estas que a Igreja não somente aprovou, mas enriqueceu
com copiosos favores espirituais.
“Quantos
abrasados pelo amor a Jesus padecente, aplicarem o ânimo a estas
considerações, não poderão deixar de reparar com maior empenho a
honra de Cristo, expiar as culpas próprias e alheias e procurar a
eterna salvação das almas. Por certo, podemos, de algum modo,
aplicar a nossos tempos as palavras do Apóstolo: 'Onde abundou o
pecado, superabundou a graça' (Rm 5, 20). Com efeito, acrescidas em
vasta proporções a malícia humana, também vai aumentando, de modo
prodigioso, por mercê do Espírito Santo, o número dos fieis de
ambos os sexos, que, com ânimo mais generoso, se esforçam por dar
satisfação ao Coração Divino pelas injúrias que recebe, a ponto
de não duvidarem em oferecer-se a Cristo como vítimas. […]
“Por
estes motivos, veneráveis irmãos, assim como a prática da
consagração, nascida de humildes inícios e depois largamente
espalhada, recebeu com a nossa aprovação o esplendor e a desejada
coroa, assim também muito desejamos que o ato de desagravo, já há
tempo santamente introduzido e propagado, tenha o mais firme sinete
de nossa autoridade apostólica e se torne o seu uso mais universal e
mais solene no meio do provo cristão. Estabelecemos, portanto, e
mandamos que todos os anos, na festa do Coração Santíssimo de
Jesus – que, nesta ocasião, havemos por bem elevar à dupla de
primeira classe com oitava – em todas as igrejas do mundo se faça,
uniformemente, de acordo com a fórmula anexa à presente Encíclica,
um ato solene de desagravo a nosso amadíssimo Redentor, para reparar
assim as nossas culpas e ressarcir os violados direitos de Cristo,
Sumo Rei e Senhor.”
Com
essas palavras, dentre outras, o Santo Padre firmemente exorta a
unirmos à consagração a reparação ao Sacratíssimo Coração de
Jesus, lembrando-nos, portanto, que a devoção ao Divino Coração
tem esse duplo aspecto: consagrar-Lhe nosso amor e reparar, expiar
nossas próprias faltas e as de nosso próximo, materializadas nos
inúmeros pecados cometidos, nas injúrias, sacrilégios e
profanações cometidas contra o Sacramento do Amor, presente em
inúmeros Sacrários pelo mundo.
Cremos
que, além do ato solene a ser realizado em todas as igrejas na festa
anual, mensalmente, e especialmente durante a Hora Santa, a oração
composta pelo Pontífice deve ser recitada, com autêntico espírito
de devoção e compromisso de não se voltar a agravar o Coração de
Jesus.
A
seguir, transcrevemos o Ato de Desagravo composto por Pio XI, anexo à
Encíclica:
ATO DE DESAGRAVO AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS
Dulcíssimo Jesus, cuja infinita caridade para com os homens é por eles tão ingratamente correspondida com esquecimentos, friezas e desprezos, eis-nos aqui prostrados, diante do vosso altar, para vos desagravar, com especiais homenagens, pela insensibilidade tão insensata e pelas nefandas injúrias com que é de toda parte, alvejado o vosso amorosíssimo Coração.
Reconhecendo, porém, com a mais profunda dor, que também nós, mais de uma vez, cometemos as mesmas indignidades, para nós, em primeiro lugar, imploramos a vossa misericórdia, prontos a expiar não só nossas próprias culpas, senão também as daqueles que, errando longe do caminho da salvação, ou se obstinam na sua infidelidade, não vos querendo como pastor e guia, ou conculcando as promessas do batismo, sacudiram o suavíssimo jugo da vossa santa Lei.
De todos estes tão deploráveis crimes, Senhor, queremos nós hoje desagravar-vos, mas particularmente pela licenciosidade dos costumes e imodéstias no vestir, por tantos laços de corrupção armados à inocência, pela violação dos dias santificados, pelas execrandas blasfêmias contra vós e vossos santos, pelos insultos ao vosso vigário e a todo o vosso clero, pelo desprezo e pelas horrendas e sacrílegas profanações do Sacramento do divino amor, e, enfim, pelos atentados e rebeldias oficiais das nações contra os direitos e o magistério da vossa Igreja.
Oh! se pudéssemos lavar com o próprio sangue tantas iniquidades!
Entretanto, para reparar a honra divina ultrajada, vos oferecemos, juntamente com os merecimentos da Virgem Mãe, de todos os santos e almas piedosas, aquela infinita satisfação que vós oferecestes ao Pai eterno sobre a cruz, e que não cessais de renovar todos os dias sobre os nossos altares.
Ajudai-nos, Senhor, com o auxílio da vossa graça, para que possamos, como é nosso firme propósito, com a viveza da fé, com a pureza dos costumes, com a fiel observância da lei e caridade evangélicas, reparar todos os pecados cometidos por nós e por nosso próximo, impedir por todos os meios novas injúrias à vossa divina Majestade e atrair, ao vosso serviço, o maior número de almas possível.
Recebei, ó benigníssimo Jesus, pelas mãos de Maria Santíssima Reparadora, a espontânea homenagem deste nosso desagravo, e concedei-nos a grande graça de perseverarmos constantes até a morte no fiel cumprimento dos nossos deveres e no vosso santo serviço, para que possamos chegar à Pátria bem-aventurada, onde vós, com o Pai e o Espírito Santo, viveis e reinais – Deus – por todos os séculos. Assim seja
Por
Maria a Jesus!
Sou
todo teu, Maria.
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______________________
1 cf.
opúsculo, em formato PDF, “Santa Margarida Maria Alacoque. A
Esposa do Sagrado Coração de Jesus. Historia de sua Vida”,
Compilada pelo Servo de Deus Pe. André Beltrame da Pia Sociedade
Salesiana,Escolas Profissionais do Lyceu C. de Jesus, 2ª edição
brasileira, São Paulo/1932, Cap. XVIII, p. 52.
2 Opúsculo
“Encíclicas Sobre o Sagrado Coração de Jesus. Miserentissimus
Redemptor-Pio
XI. Sobre o Culto do SS. Coração de Jesus. Haurietis
Aquas-Pio
XII”, Edições Loyola, 2ª edição, São Paulo/1990, pp. 3 a 13
(excertos).
3
“Pelagianismo”: Trata-se
de uma heresia iniciada por um monge oriundo da Bretanha, chamado
Pelágio. Ele dizia que não era necessário o auxílio da graça de
Deus para que o homem realizasse atos de virtude. Cristo
morreu na cruz e deu o exemplo. Bastaria ao homem segui-lo. Santo
Agostinho que por trinta anos viveu amarrado às correntes do pecado
sabia que a afirmação de Pelágio era falsa. Ele sabia da
incapacidade do homem em vencer o pecado sem o auxílio da graça
divina. A heresia pelagiana foi condenada no XV Sínodo de Cartago,
iniciado em 01 de maio de 418 […] (cf.
https://padrepauloricardo.org/episodios/o-que-e-o-pelagianismo)
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