16 DE OUTUBRO – FESTA DE SANTA MARGARIDA MARIA ALOCOQUE, “A CONFIDENTE DO CORAÇÃO DE JESUS”
Santa Margarida Maria: "Meu Deus, eu Vos consagro a minha pureza e Vos faço voto de perpétua castidade" |
No
século XVII, o jansenismo — espécie de protestantismo mitigado,
infiltrado dentro da Igreja — causava grandes danos entre os fieis.
Destruía nas almas a noção da misericórdia de Deus e da confiança
filial que devemos ter em relação ao Pai Celeste, inculcando um
temor desprovido de amor, inclinando os católicos a fugir dos
Sacramentos, sobretudo da Sagrada Eucaristia.
Foi
então que Nosso Senhor Jesus Cristo apareceu a Margarida Maria
Alacoque, jovem religiosa da Ordem
da Visitação, para
transmitir sua mensagem de misericórdia e confiança, expressa no
Coração humano e divino do Verbo Encarnado. O culto ao Sagrado
Coração de Jesus obteve a partir de então grande impulso e
alastrou-se por toda a Igreja. Infelizmente, com a descristianização
geral, hoje essa devoção — aliás, como tantas outras — perdeu
praticamente todo o seu sentido de adoração, reparação e petição,
tão necessários nos nossos tempos.
A
família de Santa Margarida Maria Alacoque
Margarida
foi a quinta dos filhos de Cláudio Alacoque e de Felisberta Lamyn, e
nasceu a 22 de julho de 1647. Foi batizada três dias depois, tendo
como padrinho um primo de seu pai, o Padre Antônio Alacoque, e como
madrinha a senhora Margarida de Saint-Amour, esposa do senhor de
Corcheval, Cláudio de Fautrières.
Viviam
com Cláudio Alacoque, além da mulher e filhos, a mãe viúva, Joana
Delaroche; a irmã Benedita, casada com o primo Toussaint Delaroche,
e seus quatro filhos; e sua tia-avó, Benedita Meulin, mãe de
Toussaint.(1)
Cláudio,
além de exercer o cargo de tabelião em Lhautecour, era juiz dos
senhorios de Terreau, Corcheval e Pressy, e também notário
ordinário de Terreau e Corcheval, o que lhe dava certa importância
na vizinhança e fartura em casa. Por isso, era presença
indispensável em quase todos os casamentos e batizados locais, seja
na qualidade de padrinho, seja na de testemunha.
Preservada,
desde o berço, da mancha de pecado atual
Deus
queria Margarida desde o berço só para Si. “Ó meu único Amor
– narra ela em sua autobiografia –, quanto vos não devo eu,
por vos terdes adiantado a mim desde a mais tenra infância,
tornando-vos o senhor e possuidor do meu coração, apesar de bem
conhecerdes as resistências que ele vos havia de opor! Logo que tive
consciência de mim, fizestes ver à minha alma a fealdade do pecado,
imprimindo em meu coração tanto horror a ele, que a menor mancha me
era insuportável tormento; e para me moderarem na vivacidade da
minha infância, bastava dizerem-me que aquilo consistia em ofender a
Deus; isto logo me continha, e me apartava do que eu queria
fazer”.(2)
Margarida
teria uns quatro anos quando, a pedido da madrinha, foi morar com ela
em seu castelo, em Beauberry. Queria a nobre dama, como era costume
no tempo, cuidar da educação da afilhada.
Na
capela de Corcheval, aos cinco anos de idade, “sem saber o que
dizia, sentia-me continuamente impelida a dizer estas palavras: ‘Meu
Deus, eu Vos consagro a minha pureza e Vos faço voto de perpétua
castidade’”.(3)
Santa Margarida Maria recebe o Menino Jesus das mãos de Maria Santíssima |
Contemplativa
desde a infância e devota de Nossa Senhora
Afirma
seu primeiro biógrafo: “Desde a infância lhe ensinou o Espírito
Santo o ponto capital da vida interior, comunicando-lhe o dom de
oração. Seu maior prazer era passar horas inteiras em oração;
quando não a encontravam em casa, iam à igreja, onde deparavam com
ela imóvel diante do Santíssimo Sacramento”.(4)
No
ano de 1654, Margarida, com oito anos, voltou para o lar paterno. Mas
não para gozar por muito tempo da alegria da família reunida. Nesse
ano morreu-lhe a irmãzinha Gilberta, e no seguinte o pai, aos 41
anos. Deixava a viúva com cinco filhos para cuidar (sendo que o
caçula tinha apenas quatro anos), e uma situação econômica apenas
equilibrada.
A
senhora Alacoque colocou os filhos mais velhos em colégios, e
Margarida como educanda no convento das clarissas mitigadas de
Charolles.
Vendo
sua precoce piedade, as monjas permitiram que fizesse a Primeira
Comunhão aos nove anos de idade, quando o costume na época era aos
doze. Afirma ela: “Esta
comunhão derramou tanto amargor em todos os meus prazeres e
divertimentos, que já não podia achar gosto em nenhum, apesar de os
procurar com afã”.(5)
Sinal
de predestinação é a devoção a Nossa Senhora. E Margarida sempre
a teve desde os albores da razão: “A
Santíssima Virgem teve sempre grandíssimo cuidado de mim, e a Ela é
que eu recorria em todas as minhas aflições. Foi Ela que me apartou
de perigos muito grandes”.
Antes
mesmo de São Luís Maria Grignion de Montfort ter popularizado a
devoção da Sagrada Escravidão a Nossa Senhora, Margarida
consagrou-se a Ela como escrava.(6)
“Os
ossos furavam-me a pele de todos os lados”
Uma
alma com uma vocação tão especial como a de Margarida Maria
deveria seguir a trilha do sofrimento. Entretanto chegara ela aos 11
anos de idade sem praticamente ter conhecido de perto a cruz de Nosso
Senhor. E Ele queria que sua filha predileta dela participasse.
Uma
grave doença, que alguns diziam ser reumatismo, e outros paralisia,
pôs a vida de Margarida em perigo, obrigando a família a retirá-la
do convento e levá-la para casa. A doença durou quase quatro anos.
A menina ficou semiparalítica e tão magra, que “os ossos
furavam-me a pele por todos os lados”, e não podia andar. Os
médicos esgotaram toda a sua ciência sem nenhum resultado.
Resolveu
então consagrar-se a Nossa Senhora, prometendo-lhe que, se sarasse,
seria uma de suas filhas. “Apenas fiz o voto – declara
Margarida – fiquei logo curada da doença, com nova proteção
da Santíssima Virgem, a qual tomou tão inteira posse do meu
coração, que, olhando-me como filha sua, governava-me como coisa
que lhe fora consagrada; repreendia-me por minhas faltas e
ensinava-me a cumprir a vontade de Deus”.(7)
Sua
mãe tinha-se despojado da própria autoridade
Quando
Cláudio Alacoque era vivo, devido à importância e prestígio de
que gozava, todos viviam em paz em casa sob a autoridade paterna. Mas
assim que ele morreu e Toussaint Delaroche tomou a direção dos
negócios, sua mulher e sua sogra também se impuseram. E com tal
tirania, que se tornaram as donas absolutas da casa: “Minha mãe
tinha-se despojado da própria autoridade em sua casa, para a
conceder a outras pessoas. [...] Não tínhamos, pois, nenhum poder
em nossa casa, nem nos atrevíamos a fazer coisa alguma sem licença.
Era uma guerra contínua; e tudo estava fechado à chave, de sorte
que eu muitas vezes nem sequer encontrava com que me vestir para ir à
Missa, senão pedindo touca e vestido emprestados”.(8)
Santa Margarida Maria Alacoque |
Nosso
Senhor queria dela, também nisso, uma virtude heroica: “Nem uma
queixa, nem um desabafo ou ressentimento consentia Ele em mim contra
aquelas pessoas; nem que eu permitisse que outros me lastimassem ou
tivessem compaixão de mim”.(9)
Consolo
de Nosso Senhor e devoção eucarística
Margarida
procurava seu consolo na oração. E o próprio Nosso Senhor quis ser
seu mestre: “Mandava-me prostrar-me humildemente diante de Si,
para lhe pedir perdão de tudo aquilo em que O tivesse ofendido”.
Posta
assim na presença do Senhor, Ele “tão fortemente absorvia o
meu espírito, embebendo em Si a minha alma e todas as minhas
potências, que não cometia distração alguma; pelo contrário,
sentia o coração consumido em desejos de O amar. E daqui me nascia
uma fome insaciável da Sagrada Comunhão e de sofrimentos”.
A
maior possibilidade de união com Nosso Senhor, que Ele nos deixou na
Terra, é a que se dá na Sagrada Comunhão, na qual recebemos
verdadeiramente o Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo.
Daí a “fome insaciável” que Margarida sentia da Sagrada
Comunhão, encontrando diante do Santíssimo Sacramento todas as suas
delícias. Ali sentia-se “tão absorta, que nunca me aborrecia.
Ali passaria dias e noites inteiras sem comer nem beber, e sem saber
o que fazia, consumindo-me em sua presença como uma tocha acesa,
para pagar-lhe amor com amor”.(10)
Provada
nas seduções do mundo e convidada pela graça
Em
1663 Margarida iria sofrer um rude golpe. Seu irmão mais velho,
João, tendo acabado os estudos em Charolles, estava pronto a iniciar
sua carreira de notário quando, aos 23 anos de idade, foi ceifado
pela morte.
O
segundo irmão, Carlos Felisberto, tendo concluído igualmente os
estudos, voltou para casa. Ele e a mãe conceberam então o plano de
casar Margarida, já com 17 anos. A família Alacoque era bem
relacionada e estimada em toda a região. E Margarida, sem ser rica,
tinha o suficiente para um dote digno. Ainda que não se destacasse
por especial formosura, não deixava de ter certos atrativos,
sobretudo de espírito.
A
pressão que fizeram sobre a adolescente foi terrível. “Por
fim, o terno amor da minha extremosa mãe começou a prevalecer.
[...] Comecei então a olhar para o mundo e a adornar-me para lhe
agradar, procurando divertir-me quanto podia”.
Mas,
se ela era persistente em sua falta, Nosso Senhor era persistente em
sua misericórdia: “Depois, à noite, quando tirava aquelas
malditas librés de Satanás, isto é, os vãos enfeites,
instrumentos da malícia dele, aparecia-me o meu soberano Senhor,
como na flagelação, completamente desfigurado, fazendo-me terríveis
queixas: que as minhas vaidades o tinham reduzido àquele estado; que
eu perdia um tempo tão precioso, de que Ele me havia de pedir
rigorosa conta à hora da morte; que o atraiçoava e perseguia,
depois de Ele me ter dado tantas provas de amor e me ter mostrado
todo o seu desejo de que eu me tornasse semelhante a Ele”.
Novos
sofrimentos e ação da divina misericórdia
A
cena era pungente. E a alma de Margarida não era insensível a
tantas graças: “Tudo
isto se imprimia em mim tão fundamente, e me fazia tão dolorosas
feridas no coração, que eu
chorava
amargamente; ser-me-ia muito difícil explicar tudo quanto sofria e
se passava em mim”.(11)
Para compensar, entregava-se ela às mais terríveis penitências.
E
eis que faleceu quase repentinamente, em 25 de setembro de 1665,
Cláudio Felisberto, também na idade de 23 anos. Foi nova provação
para a família. Só restavam, além de Margarida, Crisóstomo, o
penúltimo, e Jaime, o caçula, que queria seguir a carreira
eclesiástica.
Santa Margarida Maria e o Coração Aflito de Jesus |
Narra
Margarida: “Estando
como engolfada num abismo de espanto, por ver que tantos defeitos e
infidelidades minhas não eram capazes de O afastar de mim, deu-me o
Senhor esta resposta:
‘É
que me apraz fazer de ti como que um composto do meu amor e das
minhas misericórdias’”.(12)
Correspondendo
à graça, define sua vocação
A
intimidade com que Nosso Senhor lhe aparecia e falava é de pasmar.
Ela como que vivia na presença perceptível de Deus.
Entretanto,
“porque era muito débil”, Nosso Senhor pediu consentimento para
se assenhorear de sua liberdade. “Não
pus dificuldade nenhuma em consentir; e desde então [Nosso Senhor]
apoderou-se tão fortemente da minha liberdade, que nunca mais gozei
dela em todo o resto da minha vida”.(13)
Isto,
é claro, é um modo de dizer, pois Deus não tira a ninguém o livre
arbítrio. O que na realidade se dava é que Nosso Senhor fortificava
de tal modo a sua vontade, por meio de graças especiais, que esta já
não vacilava. O que corresponde ao máximo grau de liberdade, que é
o conformar a própria vontade livre com a soberana vontade de Deus.
Livres, verdadeiramente, não são os que pecam, mas os que, podendo
fazê-lo, não o fazem.
Margarida
resistiu durante três anos às pressões que lhe faziam para
casar-se. Com o auxílio de um missionário que pregava missões na
região, conseguiu finalmente convencer Crisóstomo e a mãe de que
seu lugar era no convento.
Entrada
no convento e novos sofrimentos
No
dia 25 de agosto de 1671, festa de São Luís Rei, ela tomou o hábito
de noviça: “Estando já revestida do nosso santo hábito, meu
divino Mestre fez-me ver que era chegado o tempo dos nossos
esponsais, que davam a Ele novo domínio sobre mim e me traziam
dobrada obrigação de O amar com amor de preferência”.(14)
Margarida
banhava-se em lágrimas, cuja razão ninguém sabia explicar, parecia
afogueada e meio fora de si; quebrava as coisas, e parecia incapaz de
qualquer serviço.
Ora,
essa via mística não era própria do convento da Visitação. Por
isso, outras religiosas apontavam-lhe o comportamento como singular,
e as superioras ordenavam-lhe que se conduzisse como todas as outras,
sob pena de não admiti-la à profissão, o que causava grande
perplexidade à noviça e era nova fonte de sofrimentos.
“Eu
te farei mais útil à Religião do que ela pensa”
Mudara
a superiora na Ascensão de 1672. A nova era Madre Maria Francisca de
Saumaise, professa do mosteiro de Dijon, que havia sido dirigida
desde seus primeiros anos pela própria Fundadora da Visitação,
Santa Joana de Chantal. Havia entrado para a Visitação em Dijon aos
10 anos de idade, para ali proceder à sua educação; aos 15 anos
era noviça, e no ano seguinte fez a profissão.
Ela
decidiu favoravelmente sobre a profissão da Irmã Margarida Maria.
Quando
esta transmitiu-lhe uma mensagem de Nosso Senhor, a Madre mandou-lhe
que Lhe pedisse, como sinal de que era realmente Ele que falava, que
a tornasse útil à comunidade pela prática de suas regras.
“A
isto
– diz Margarida Maria – respondeu-me
o Senhor em sua amorosa bondade: ‘Pois bem, minha
filha, tudo isto te concedo; e eu te farei mais útil à Religião do
que ela pensa, mas há de ser de uma maneira que até agora só eu
sei; de hoje em diante acomodarei as minhas graças ao espírito da
tua regra, à vontade de tuas superioras e à tua fraqueza; assim
terás por suspeito tudo o que se apartar da exata observância da
tua regra, que eu quero prefiras a tudo o mais”.(15)
Vítima
do Sagrado Coração de Jesus
Algum
tempo antes dos exercícios espirituais, Nosso Senhor apareceu a
Margarida Maria e lhe disse: “Eu procuro uma vítima para meu
Coração, a qual queira se sacrificar como uma hóstia de imolação
para o cumprimento de meus desígnios”. Ela se prosternou e
lhe apresentou “diversas almas santas que correspondiam
fielmente a seus desígnios”. Nosso Senhor lhe respondeu: “Não,
eu não quero outra senão tu”.
Coração Eucarístico de Jesus |
Margarida
protelava entretanto o pedido de permissão à Superiora: “Mas
era em vão que eu lhe resistia, porque Ele não me deu repouso até
que, por ordem da obediência, eu fosse imolada a tudo o que Ele
desejava de mim, que era de me tornar uma vítima imolada a toda
sorte de sofrimentos, de humilhações, de contradições, de dores e
de desprezos, sem outra pretensão senão cumprir seus
desígnios”.(16)
Fez
sua profissão no dia 6 de novembro de 1672. Como uma esposa,
Margarida deveria participar agora, de um modo mais direto, dos
interesses de seu divino Esposo, que a preparava para a grande missão
de sua vida: receber e propagar a devoção ao Sagrado Coração de
Jesus.
“Meu
Coração está abrasado de amor pelos homens”
Estando
diante do Santíssimo Sacramento no dia 27 de dezembro de 1673, Nosso
Senhor lhe disse: “Meu divino Coração está tão abrasado
de amor para com os homens, e em particular para contigo, que, não
podendo já conter em si as chamas de sua ardente caridade, precisa
derramá-las por teu meio, e manifestar-se-lhes para os enriquecer de
seus preciosos tesouros, que eu te mostro, os quais contêm a graça
santificante e as graças salutares indispensáveis para os apartar
do abismo da perdição; e escolhi a ti, como abismo de indignidade e
ignorância, para a realização deste grande desígnio, para que
tudo seja feito por mim”.(17)
E
acrescentou: “Se até agora não tomaste senão o nome de
minha escrava, eu te dou o de discípula dileta do meu Coração”.
Graças
especiais onde houver imagem do Coração de Jesus
É
bem provável que a Segunda Grande Revelação — da qual,
infelizmente, não se consignou a data — tenha ocorrido numa
primeira sexta-feira do mês no ano de 1674.
Nosso
Senhor lhe fez ver que “o ardente desejo que Ele tinha de ser
amado pelos homens e de os retirar da via da perdição, onde Satanás
os precipita em multidão, o havia feito formar esse desígnio de
manifestar seu Coração aos homens. [...] Ele queria a imagem
exposta e portada sobre mim, e sobre o coração, para aí imprimir
seu amor e cumular de todos os dons de que ele estava pleno, e para
nele destruir todos os movimentos desregrados; e que, em toda parte
onde essa santa imagem fosse exposta para aí ser honrada, Ele aí
espalharia suas graças e bênçãos; e que essa devoção era como
um último esforço de seu amor, com que queria favorecer os homens
nestes últimos séculos, desta redenção amorosa, para os retirar
do império de Satanás”.(18)
"Eis o Coração que tanto amou os homens, que nada se poupou até se esgotar e consumir para lhes testemunhar o seu amor ..." (Palavras de Jesus a Sta. Margarida) |
“Excesso
a que tinha chegado em amar os homens”
A
data da chamada Terceira Grande Revelação não ficou registrada.
Ocorreu provavelmente em 1674, num dia em que o Santíssimo
Sacramento encontrava-se exposto. Margarida entrou em êxtase e viu
Nosso Senhor Jesus Cristo “todo radiante de glória com suas
cinco chagas, brilhantes como cinco sóis; e a sua sagrada humanidade
lançava chamas de todos os lados, mas sobretudo de seu sagrado
peito, que parecia uma fornalha. [...] Abrindo-o, descobriu-me seu
amantíssimo e amabilíssimo Coração, que era a fonte viva daquelas
chamas. Foi então que Ele me mostrou as maravilhas inexplicáveis do
seu puro amor, e o excesso a que ele tinha chegado em amar os homens,
de quem não recebia senão ingratidões e friezas”.(19)
“Eis
o Coração que tanto amou os homens”
A
mais conhecida de todas as revelações, e em certo sentido a mais
importante delas, ocorreu segundo os estudiosos entre 13 e 21 de
junho de 1675, dentro da Oitava da Festa do Corpo de Deus. Nosso
Senhor, descobrindo-lhe o seu divino Coração, disse-lhe:
“Eis
o Coração que tanto amou os homens; que a nada se poupou até se
esgotar e consumir, para lhes testemunhar o seu amor. E em
reconhecimento não recebo da maior parte deles senão ingratidões,
pelos desprezos, irreverências, sacrilégios e friezas que têm para
comigo neste Sacramento de amor. Mas o que é ainda mais doloroso é
que os que assim me tratam são corações que me são consagrados.
Por isso te peço que a primeira sexta-feira depois da oitava do
Santíssimo Sacramento seja dedicada a uma festa particular para
honrar o meu Coração, reparando a sua honra por meio dum ato
público de desagravo e comungando nesse dia para reparar as injúrias
que recebeu durante o tempo que esteve exposto nos altares. E Eu te
prometo que o meu Coração dilatar-se-á para derramar com
abundância o influxo do seu divino amor sobre aqueles que Lhe
renderem esta homenagem”.(20)
Grande
promessa da Comunhão reparadora
Embora
fugindo à ordem cronológica da biografia de Santa Margarida Maria,
parece-nos oportuno apresentar aqui a chamada Grande Promessa,
revelada já no fim da vida da vidente de Paray-le-Monial: “Eu
te prometo, na excessiva misericórdia de meu Coração, que seu amor
todo poderoso concederá a todos aqueles que comungarem em nove
primeiras sextas-feiras do mês, consecutivas, a graça da penitência
final, não morrendo em minha desgraça e sem receber os sacramentos,
tornando-se [meu divino Coração] seu asilo seguro no derradeiro
momento”.(21)
Tantas
graças da mais alta mística não podiam passar despercebidas, e
refletiam-se no exterior de Margarida Maria, que andava como que
transportada.
São
Cláudio la Colombière chancela as revelações
São Cláudio de la Columbière e Santa Margarida Maria Alacoque |
Madre
de Saumaise ficava cada vez mais confusa no julgamento que deveria
fazer de Margarida Maria. Achava-a piedosa, obediente, dócil;
entretanto não conseguia interpretar os fenômenos místicos que se
passavam com ela. Acreditava na sua sinceridade, porém não tinha
ciência teológica para julgar por si mesma o espírito que guiava
Margarida. Por isso, julgou prudente fazer com que ela conversasse
com alguns eclesiásticos e lhes expusesse o que com ela se passava,
para ver que opinião formariam dela. E especialmente com o Padre la
Colombière, recentemente nomeado diretor da casa dos jesuítas de
Paray.
Logo
em sua primeira preleção às monjas, ele notou uma que o ouvia mais
atentamente. A superiora informou-lhe que se tratava da Irmã
Margarida Maria. “É uma alma visitada pela graça”, comentou o
jesuíta. Ao mesmo tempo, uma voz interior dizia a Margarida: “Eis
aquele que te envio”.(22)
Como
os santos geralmente falam a mesma linguagem, o Padre la Colombière
e a Irmã Margarida Maria logo se entenderam. Por ordem da Madre de
Saumaise, “abri-lhe então, sem custo e com toda a lhaneza, o
coração, e descobri-lhe o íntimo de minha alma, o bem e o mal”,
relata Margarida Maria em sua autobiografia.(23)
Cláudio
la Colombière representou assim a caução humana das visões de
Margarida Maria. Acontecesse o que fosse — e muita perseguição e
incompreensão ainda teriam lugar —, um fato irremissível estava
posto: o jesuíta afamado por sua prudência e segurança de juízo
estava certo da autenticidade das visões da Irmã Margarida Maria.
Nova
Superiora prova Margarida Maria
Madre
Péronne Rosália Greyfié chegou para substituir a Madre de
Saumaise, no dia 18 de junho de 1678. Ao contrário desta, de grande
simplicidade e amabilidade, a Madre Greyfié era rígida e austera, e
tomou o partido de fingir que ignorava tudo o que se passava com
Margarida Maria, deixando-a até ser objeto de críticas da
comunidade, mesmo em coisas por ela autorizadas. Entretanto, tinha-a
em alta conta: “Eu notava ainda que as graças que Nosso Senhor lhe
concedia serviam para aprofundá-la no baixo sentimento que tinha de
si mesma, o que a fazia crer que todas as criaturas tinham o direito
de a desprezar e criticar em tudo, levando-a a amar como um tesouro
essas ocasiões, das quais ela teria querido somente excluir o que
ofendesse a Deus, afligindo-se de ser a causa disso”.(24)
Nosso
Senhor lhe disse outro dia que, como havia feito em relação a Jó,
o demônio pedira para tentá-la “no
cadinho das contradições e humilhações, das tentações e
desamparos, como o ouro no fogo”,
e
que Ele tudo permitira, exceto que a tentasse contra a pureza; que
Ele estaria em seu interior como fortaleza inexpugnável, resistindo
por ela. “Mas
era necessário vigiar continuamente sobre todo o exterior, que do
interior cuidaria Ele”. Desde
então o demônio não lhe dava trégua, chegando mesmo, uma vez, a
lançá-la do alto de uma escada com um braseiro na mão. Mas seu
Anjo da Guarda amparou-a e ela nada sofreu.
Santa Margarida Maria (Foto: blog Imagenes Religiosas) |
“Não
haverá quem queira padecer comigo?”
Indo
um dia comungar, Margarida viu a sagrada Hóstia resplandecente como
um sol. Em seu centro estava Nosso Senhor Jesus Cristo tendo uma
coroa de espinho na mão. Colocou-a na cabeça de Margarida, dizendo:
“Toma, minha filha, esta coroa em sinal da que em breve te
será dada, para te assemelhares a mim”. A religiosa
diz que no momento não compreendeu o significado daquilo, mas que
bem depressa o soube por duas violentas pancadas que recebeu na
cabeça, “de maneira que me parecia ter a cabeça rodeada de
pungentíssimos espinhos, cujas picadas não acabarão senão com a
minha vida”.(25)
Na
proximidade da Quarta-feira de Cinzas, provavelmente de 1681, Nosso
Senhor apareceu-lhe depois da Sagrada Comunhão, “sob a figura
de um Ecce Homo, carregando a Cruz, todo coberto de chagas e
pisaduras, escorrendo o sangue por todo o corpo”. Disse-lhe:
“Não haverá ninguém que tenha compaixão de mim e queira
padecer comigo e tomar parte na minha dor, no lastimoso estado a que
me reduzem os pecadores, sobretudo agora?”
A
generosa Margarida Maria prosternou-se junto aos pés divinos e
ofereceu-se, em lágrimas e gemidos, para carregar a Cruz. Esta
pareceu-lhe toda cheia de pontas de prego, e ela sentiu-se quase
sucumbir sob seu peso. Com isso, diz ela, “comecei a compreender
melhor a gravidade e malícia do pecado, que eu detestava tanto em
meu coração, e mil vezes preferia precipitar-me no inferno em vez
de cometer um só pecado voluntariamente”.(26)
Mensagem
ao “filho primogênito de meu Coração”
A
devoção ao Coração de Jesus ia fazendo seu caminho, dentro e fora
dos muros da Visitação. O Sagrado Coração queria entretanto muito
mais. Desejava ser adorado pelas elites, pela nobreza do país e do
mundo, mas também que essa vitória viesse por intermédio do mais
poderoso monarca da época.
Assim,
incumbiu a sua fiel serva de transmitir ao Rei da França, Luís XIV
— a quem chama afetuosamente “filho primogênito de meu
Sagrado Coração” — a seguinte mensagem: Queria associá-lo
ao triunfo de seu Sagrado Coração, prometendo-lhe, caso fizesse o
que lhe era pedido, cobri-lo de glória ainda nesta Terra, como a
nenhum outro Rei, e por fim conceder-lhe a glória do Céu.
Não
sabemos se o augusto destinatário tomou conhecimento da divina
mensagem, nem se ela foi entregue ao confessor do Rei, Padre de La
Chaise. Uma coisa, entretanto, é certa: os pedidos do Sagrado
Coração de Jesus ao Rei Luís XIV jamais foram atendidos.
Não
viveria muito mais, porque não sofria mais
Uma
nova superiora, Madre Catarina Antonieta de Lévy-Châteaumorand,
para aliviar ou para provar a Irmã Margarida, que apesar de ter
somente 43 anos já estava muito enfraquecida pelas penitências e
longas enfermidades, proibiu-lhe a hora de adoração noturna da
quinta para a sexta-feira e todas as austeridades que ela praticava,
exigindo-lhe mesmo a devolução dos instrumentos de penitência.(27)
No
mês de junho de 1690, Margarida dizia: “Eu não viverei muito
mais, porque não sofro mais”. Com efeito, esta santa,
considerada uma das maiores místicas da Igreja, entregou sua bela
alma a Deus no dia 17 de outubro desse mesmo ano.
NOTAS
(da fonte):
1.
Marguerite-Marie Alacoque, Sainte, Sa vie par elle-même, Monastère
de la Visitation, Paray-le-Monial, Éditions Saint-Paul,
Paris-Fribourg, 1993, Vie, p. 28, nota 4.
2.
Marguerite-Marie Alacoque, Santa, Autobiografia de Santa
Margarida-Maria Alacoque, 4ª Edição, Editorial A. O., Braga, 1984,
p. 2.
3.
Autobiografia, p. 2
4.
Abbé Croiset, Abrégé de la vie de la soeur Marguerite-Marie
Alacoque, religieuse de la Visitation Sainte-Marie, de l’aquelle
Dieu s’est servie pour l’établissement de la dévotion au Sacré
Coeur de Jésus Christ, décédée en odeur de sainteté le 17
octobre 1690, Lion, Tip. Antoine e Horace Molin, 1691, apud Bougaud,
Mons., História da Beata Margarida Maria ou origem da devoção ao
Coração de Jesus, tradução de José Joaquim Nunes, Porto,
Imprensa Moderna, 2a edição, 1901, p. 36.
5.
Autobiografia, 5.
6.
Id., p. 22.
7.
Id., p. 6.
8.
Id., p. 8.
9.
Id., p. 9.
10.
Id., p. 12.
11.
Id., pp. 16-17.
12.
Id., ib.
13.
Id., p. 24.
14.
Id., p. 38
15.
Id., p. 43.
16.
Monastère de la Visitation – Paray-le-Monial, Vie et oeuvres de
Sainte Marguerite-Marie, Éditions Saint-Paul, Paris-Fribourg, 1990,
tomo 2, Lettres de la Sainte, Lettre CXXXIII, au R.P. Croiset, pp.
470 e ss.
17.
Autobiografia, p. 53.
18.
Lettres de la Sainte, Lettre CXXXIII au R.P. Croiset, 3 novembre
1689, Ms. d’Avignon, pp. 477 a 479.
19.
Autobiografia, p. 55.
20.
Cláudio la Colombière, Notas Íntimas e Outros Escritos
Espirituais, prefácio e tradução de Joaquim Abrances, S.J.,
Editorial A.O., Braga, 1983, pp. 150-151.
21.
Lettres de la Sainte, Lettre LXXXVI, p. 297.
22.
Autobiografia, p. 80; Guitton S.J., Georges, Le Bienheureux Claude la
Colombière – Son milieu et son temps 1641–1682, Librairie
Catholique Emmanuel Vitte, Lyon, 1943, p. 237.
23.
Autobiografia, p. 80.
24.
Vie et Oeuvres, tomo 2., Contemporaines, p. 269.
25.
Contemporaines, pp. 266-267.
26.
Id., p. 108.
27.
Cf. Procès de 1715, Déposition de la soeur Marie-Lazare Dusson,
apud Hamon, p. 497.
☞ NOTA
DO BLOG: “A
data da sua festa foi antecipada de um dia, para o dia 16 de outubro,
para não coincidir com a de santo Inácio de Antioquia.
Leão
XIII consagrou o mundo ao Sagrado Coração de Jesus e o papa Pio XII
recomendou esta devoção que nos leva ao encontro do coração
eucarístico de Jesus. A festa do Sagrado Coração de Jesus foi
instituída para toda a Igreja em 1856 o Papa Pio IX. E em 1928 o
Papa Pio XI concedeu à devoção a máxima categoria litúrgica, de
Solenidade.
Santa
Margarida é padroeira da Rede Mundial de Oração do Papa
(Apostolado da Oração) juntamente com Santa Teresinha do Menino
Jesus, São Francisco Xavier e São Cláudio de la Colombière.”1
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FONTE:
artigo de Plinio Maria Solimeo, sob o título “Santa
Margarida Maria Alacoque, a confidente do Coração de Jesus”,
publicado
em revista “Catolicismo”, Julho/2004, matéria da capa
- Texto revisto, o título é nosso, bem como alguns
destaques.
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