HORA
SANTA DO MÊS DE SETEMBRO
(Por
Santo Afonso de Ligório)
CORAÇÃO DE JESUS AFLIGIDO POR CAUSA DA TIBIEZA DAS ALMAS
Muito
errados estaríamos, se pensássemos que todas
as almas em estado de graça são motivo de consolação para o
Coração afligido de Jesus. Mas não é assim! Há almas que,
favorecidas como são por Deus, vivem na tibieza, e são deste modo
espinhos muito pungentes para o divino Coração. Jesus as ama, não
com um amor geral que ele, como criador, tem a tudo que existe, mas
com especial amor, o de eleição; ele dedica-lhes amizade
verdadeira. Ora, esta amizade mesma é a medida da pena que o estado
delas lhe causa. Com efeito, ele vê que, em consequência desta
tibieza, elas cairão insensivelmente no pecado mortal, farão poucos
esforços para sair dele, e assim se perderão.
Uma
alma é tíbia, primeiro quando comete pecados veniais frequentemente
e de olhos abertos, sem procurar corrigir-se deles. Oh! Que perigo
corre a alma a quem Deus preveniu com suas graças, quando se deixa
ir à perpetração de muitas faltas leves conscientemente e sem de
nada se inquietar, dizendo: Basta que eu me salve!
Todos estes pequenos regatos formarão um rio, que desastradamente a
arrastará ao abismo. O Senhor repreendia ao bispo de Laodicéia não
ser nem quente nem frio. (Ap 3, 15) Este é o estado de uma
alma tíbia; ela não ousa voltar inteiramente as costas a Deus;
contudo não se inquieta com os pecados leves que comete e multiplica
todos os dias as impaciências, mentiras, murmurações, gulodices,
imprecações, aversões secretas no coração, apego às criaturas;
esforço nenhum faz para se corrigir de tantas faltas. Oxalá
fosseis quente ou frio! Dizia o Senhor a esse bispo de Laodicéia;
mas porque sois morno, e não sou; nem frio nem
quente, estou para vomitar-vos de minha boca. Isto é,
melhor seria que fosseis inteiramente privado de minha graça; porque
daríeis mais esperança de cura. Mas ficando na vossa tibieza estais
muito exposto a vos condenar, porque facilmente caireis neste estado
nalgum vício mortal, com pouca esperança de vos levantardes dele.
Notai bem estas palavras: Porque sois morno, estou prestes a
vomitar-vos. Aí, quanto a alma tíbia deve pesar no Coração de
Jesus! Facilmente para no estomago a bebida, que é fria ou quente,
mas a morna, não, porque provoca vômitos. Assim é que a alma tíbia
está exposta a ser vomitada do Coração de Deus, a ser privada da
graça e abandonada, o que é muito bem significado pelo vômito,
pois que todos temos horror de tornar a engolir o que se vomitou.
O
maior sinal de tibieza é o desgosto voluntário e habitual da
oração. Quando um jardim é continuadamente regado por uma água
benéfica, ó como as flores e as plantas aparecem sempre ai cheias
de vida e frescura! O mesmo sucede com a alma que ama a oração :
vemo-la crescer sem cessar em bons desejos e frutos de virtudes.
Donde lhe vêm estas vantagens? Da oração, que, regando-a
continuamente com suas águas salutares e fecundas vai, dia a dia,
transformando-a em jardim de delícias. Mas suprimi esta feliz fonte,
logo as flores caiem, as plantas secam, e tudo desaparece; por quê?
Porque a fonte da vida está seca. Tal pessoa será, enquanto amar a
oração, modelo de modéstia, humildade, devoção e mortificação;
abandone a oração, e logo sua imodéstia manifestar-se-á no seu
olhar; seu orgulho irromperá à menor palavra que a mortifique;
cessará de frequentar os sacramentos e de assistir à Missa; não
pensará mais em se mortificar; vê-la-eis, ao contrario, amar as
vaidades e companhias mundanas, os divertimentos e prazeres terrenos,
e por quê? Ah! A água não corre mais sobre ela; falta-lhe a vida;
ela deixou a oração e o jardim secou, e o mal se agrava de dia em
dia. Uma vez que a alma deixa a oração, diz S. João
Crisóstomo, eu a considero, não só como
enferma, mas morta.
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"O homem tíbio é uma terra vazia, estéril; pode também dizer-se: 'Terra sem forma e vazia' (Gn 1, 2)". Pe. Cornélio à Lápide, extraído de "Tesoro de Cornelio a Lapide", por Plinio Corrêa de Oli- veira. |
A
irmã Maria Boaventura, religiosa em Roma, vivia em estado de
tibieza. Por meio da meditação, resolução e devoção ao Sagrado
Coração ela conseguiu sair de tão miserando estado. Porque um dia
em que ela assistia aos exercícios espirituais dados pelo padre
Lancicio, ficou de tal maneira comovida desde a primeira meditação
que, desfeita em lágrimas, foi encerrar-se no seu quarto, e ai, aos
pés do crucifixo, escreveu o ato seguinte: «Eu,
Maria Boaventura, neste dia em que começam os exercícios
espirituais, ofereço-me toda a vós, ó meu Deus, e prometo não
amar mais senão a vós, meu Jesus. Aceitai, ó terno Redentor meu,
este escrito banhado com minhas lágrimas; como penhor do meu amor
vo-lo consagro, depondo-o na chaga de vosso lado, sobre vosso
Coração, a fim de que me perdoeis, pelos merecimentos de vosso
Sangue, todos os meus pecados e me estabeleçais de tal modo no vosso
amor, que não seja eu mais para mim, mas toda só para vós.»
Em pouco tempo santificou-se Maria
Boaventura; dizem até que depois de sua morte, houve sinais
manifestos da glória que ela gozava.
PRÁTICA
Se
estou no estado de tibieza, quero para dele sair; meditar seriamente
as verdades eternas, tomar firme e determinada resolução e
consagrar-me ao divino Coração de Jesus. Se não vivo nesta
desgraça, orarei pelas almas tíbias.
AFETOS
E SÚPLICAS
Ó
meu Deus, vós me tendes prodigalizado vossos benefícios,
preferindo-me aos outros; eu vos tenho prodigalizado ofensas. Ó
Coração amargurado de meu Redentor, que, no Jardim das Oliveiras,
fostes tão afligido e atormentado pela vista de meus pecados,
concedei-me, por vossos merecimentos, verdadeiro conhecimento e viva
dor de minhas faltas. Ah! Meu Jesus, cheio estou de vícios; mas vós,
que sois omnipotente, podeis encher-me de vosso santo amor. Ponho,
pois, toda a minha confiança em vós, bondade e misericórdia
infinitas. Ó Bem supremo, arrependo-me de vos ter ofendido; quem me
dera ter morrido antes do infausto dia em que cometi o primeiro
pecado! Ah! Desde hoje, tomo a resolução de vos amar de todo o meu
coração e de não amar mais senão a vós. Ó bondade infinita, eu
vos adoro por todos aqueles que não vos adoram; eu vos amo por todos
os que não vos amam. Em vós creio, em vós espero, e dedicando-vos
meu coração, ofereço-me todo a vós. Assisti-me com vossa graça.
Muito fraco sou, bem o sabeis, mas se me tendes prodigalizado tantos
favores, quando eu não vos amava, que não devo esperar de vossa
misericórdia agora que vos amei e desejo vos amar para sempre?
Terno
Coração de Jesus, dai-me vosso amor, mas um amor fervoroso que me
faça esquecer todas as criaturas; amor forte, que me faça vencer
todas as dificuldades para vos agradar, amor constante, que me apegue
a vós por laços indissolúveis. – Ó Maria, Mãe do belo amor,
obtende-me a graça de ser sem reserva para Jesus.
ORAÇÃO
JACULATÓRIA
Belas
chamas de amor do Coração de Jesus, consumi em mim todas as
afeições desregradas.
EXEMPLO
A
natureza dos santos não é diferente da nossa. Nada melhor o prova
que as faltas e imperfeições que eles deploraram em si. A
bem-aventurada Maria dos Anjos, esta flor perfumada do Carmo, mais
que uma vez no-lo prova. Ela mesma conta que, na sua mocidade, era
dada à vaidade, aos divertimentos, à dança, aos jogos, às
conversações. «Eu
amava muito, diz ela, os adornos vãos e esquisitos; passava largas
horas diante do espelho; muitas vezes me sucedia aborrecer-me, não
me achando bela quanto era meu desejo.»
Ela nos diz também que seu coração experimentava inveja, quando
via suas companheiras mais preparadas do que ela, que os louvores lhe
agradavam, gostava de ser procurada e amada. Um dia, colocada diante
de um espelho, Maria se esmerava em compor seus cabelos. De súbito,
para espantada! Não é sua cabeça que ela vê no espelho, mas a
cabeça triste, ensanguentada, coroada de espinhos do Salvador. A
partir deste momento, a vitória da graça foi completa. Tornada
carmelita, ela não quis viver senão para amar a Jesus Cristo.
Pensamentos, palavras, ações, tudo nela era inspirado pelo amor
divino. «Eu venho
do amor, dizia ela, vou para o amor, penso no amor, tudo faço pelo
amor.» Seus
desejos de padecer eram ardentíssimos. «Ou
dai-me padecimentos, ou fazei que eu morra! Porque a vida me é muito
amarga quando não padeço»,
escrevia ela. Um dia em que dores agudíssimas a retinham na cela,
reputando-se muito miserável para que o Rei do céu fosse visitá-la
nesse lugar, Maria dos Anjos se resignava a privar-se da comunhão.
Ora, no momento mesmo em que suas irmãs comungavam, Jesus lhe
apareceu brilhante de luz; disse-lhe que, visto como ela se
conservava longe dele pelo respeito, vinha a ela por amor e a queria
toda sua como ele era todo para ela. Depois a apertou contra seu
divino Coração, e a inebriou com alegria que não tem nome na
terra.
Na
sua derradeira enfermidade, ela dizia: «Minha
vida foi abreviada com a doçura da obediência; eu pedi com tanta
instância esta graça ao Coração de Jesus, que ele me concedeu tão
bom é!»
Aconselhando-lhe uma de suas irmãs que não pedisse padecimentos,
visto que ela já padecia muito: «Sofrer!
Sofrer! Retorquiu a doente; ó minha filha, se soubésseis que
tesouro está oculto no sofrimento!»
Ela
adormeceu no ósculo do Esposo divino, em fins de 1717, com a idade
de 57 anos.
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FONTE:
livro “O
Sagrado Coração de Jesus Segundo Santo Afonso Maria de Ligório ou
Meditações Para o Mês do Sagrado Coração, a Hora Santa e a
Primeira Sexta-Feira do Mês”,
tradução portuguesa da 83ª edição, por D. Joaquim Silvério de
Souza, Quinta Edição/1926, Ratisbona Typographia de Frederico
Pustet, Impressor da Santa Sé, pp. 256-261 – Texto revisto,
atualizado e adaptado para o português do Brasil)
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