HORA
SANTA DO MÊS DE AGOSTO
(Por
Santo Afonso de Ligório)
Aparição do Sagrado Coração de Jesus a S. Margarida M. Alacoque (Lombardia, Bérgamo. 1890-1910) |
CORAÇÃO DE JESUS AFLIGIDO POR CAUSA DA INGRATIDÃO DO MUNDO
Um
dia S. Francisco de Assis ia chorando e suspirando
pelos caminhos e bosques, e parecia inconsolável. Perguntaram-lhe
qual era a causa desta profunda aflição, ele respondeu: «Ai!
Como quereis que eu não chore, quando vejo que o amor não é amado!
Vejo um Deus amar o homem quase até a loucura, e o homem mostrar-se
tão ingrato para com Deus! ...»
Se
esta ingratidão afligiu tanto o coração de S. Francisco,
pensemos quanto
mais deveria afligir o Coração de Jesus Cristo, no Jardim de
Getsêmani. Ele descera do céu para acender na terra o fogo do amor
divino, e via que o homem correspondia muito pouco a tantas provas de
amor; só isto era bastante para fazê-lo morrer mil vezes de dor.
Quando prestamos serviço a algum de nossos semelhantes e este nos
paga com ingratidão, temos um sentimento mais insuportável do que
todo padecimento corporal. Que dor devia sentir o Coração tão
terno e amável de Jesus, vendo que, em retorno de seus benefícios e
amor, só receberia de nossa parte ofensas e injúrias, como Davi
tinha predito nestes termos:
Pagaram-me
o bem com o mal, e o amor com o ódio! (Sl
108, 5)
Esta
profecia cumpriu-se na Paixão de nosso Salvador. Mas ainda hoje não
nos parece que ele se queixa de ser
como
um estrangeiro entre os seus?
(Sl 68, 9)
porque
vê grande numero deles que vivem sem o amar, como se ele não lhes
tivesse feito nunca algum bem, como se nada houvesse padecido por seu
amor? Porquanto, os animais mesmos, uma vez que lhes fazemos o menor
bem, não deixam de nos mostrar seu reconhecimento! Vêm a nós, a
seu modo e nos obedecem, e quando nos veem, mostram alegria: e nós,
como é que somos tão ingratos para com
Jesus
Cristo? Dize-me, pode ele fazer mais para merecer nosso amor? Se o
Filho de Deus tivesse de salvar da morte seu Pai mesmo, que mais
pudera ter feito que abater-se até revestir-se da carne humana e
sacrificar sua vida para o resgatar? Digamos mais: se Jesus Cristo
tivesse sido puro homem, e não uma Pessoa divina, e tivesse querido,
por alguma prova de afeto, obter o amor de Deus, poderia fazer mais
do que fez por nós? E se um daqueles que nos servem tivesse dado seu
sangue e sua vida por nosso amor, não teria com isto prendido nosso
coração? Não nos teria obrigado a consagrar-lhe nosso amor, ao
menos por motivo de reconhecimento? Por que então Jesus Cristo, que
chegou ao extremo de dar sua vida por nós, não pode chegar ainda a
ganhar nosso amor?
Ah!
O que tanto afligiu o Coração de nosso Redentor no Jardim das
Oliveiras, foi menos a vista de sua Paixão que a ingratidão pela
qual os homens haviam de responder a seu amor. Esta ingratidão é
que lhe fez suar sangue, reduzindo-o a agonia, e enchendo-o de
tristeza tão grande, que só ela bastava para o fazer morrer, como
ele declarou: Minha
alma está triste até a morte.
Esta
ingratidão jó o tinha feito chorar no presépio de Belém. Esta
ingratidão é
que
o fez morrer num desamparo supremo e sem consolação alguma, na
cruz. Esta ingratidão é que lhe fez desejar que se desse nos
últimos tempos um culto especial de reparação e amor ao seu
Sagrado Coração: Eis
aqui,
dizia
ele à
(Santa) Bem-aventurada
Margarida Maria, eis
aqui o Coração
que tanto amou os homens! ...
e
da
maior parte deles
só recebo ingratidões.
Amemos,
pois, Nosso Senhor Jesus Cristo! Mas, quais são os meios de fazer
nascer e crescer em nós seu amor?
Primeiramente,
devemos evitar toda falta grave ou leve; o Senhor disse: Se
alguém
me
tem
amor, guardará
meus preceitos.
(Jo 14, 26)
O
primeiro sinal
do amor é a intenção em fazer desaparecer tudo o que pode ofender
aquele a quem se ama. Como pode dizer que ama a Deus de todo o seu
coração aquele que não teme lhe desagradar, ainda que levemente? O
céu
me livre,
dizia
Santa Teresa,
do
menor pecado
cometido com reflexão!
Depois,
é necessário, para se conseguir amar a Deus de todo o coração,
ter grande desejo de o amar. Os pios desejos são azas que nos
transportam ao Coração de Jesus.
Enfim,
é necessário tomar a resolução de chegar ao perfeito amor de
Deus. Muitas almas desejam dar-se a Deus, mas não conseguem, se
resolver adotar os meios para isto; também elas não dão um passo
para diante. Se queremos amar a Deus, coloquemos mãos à
obra:
O
que podeis
fazer, diz
o Sábio, fazei-o
sem
tardar;
(Ecl 9, 10) isto
é, desapeguemo-nos das criaturas, amemos a Deus sem reserva, e vamos
haurir nas fontes do amor, que são a meditação, a comunhão e a
oração.
Ah!
Como consola o Coração de Jesus, e quão ternamente é
amada
a alma que se dá a ele sem reserva, não busca em tudo senão lhe
agradar, e antes quereria morrer mil vezes que ofendê-lo! Roguemos
continuamente ao Coração de Jesus a graça de o amar; peçamos
também ao Coração de Maria; esta divina Mãe é a dispensadora de
todas as graças; e o que ela dá com melhor vontade, é o dom do
amor divino.
PRÁTICA
Pensarei
muitas vezes, principalmente durante a Hora Santa, em Jesus Cristo
chorando nossas ingratidões; com ele as chorarei, prometendo-lhe
para o futuro amor fiel e reconhecido.
AFETOS
E SÚPLICAS
Ah! Senhor, chorando então a ingratidão dos homens, choráveis também minha ingratidão e a ruína de minha alma. Amável Redentor meu, vós choráveis à vista do mal que eu fiz a mim mesmo, banindo-vos do meu coração e forçando-vos a me condenar ao inferno, depois de terdes morrido para me salvar. Ah! Deixai-me chorar, a mim que vos fiz a injúria de vos voltar às costas e de me separar de vós; depois de me haverdes dado tantas provas de amor.
Eterno Pai, pelas lágrimas que vosso divino Filho derramou sobre mim, dai-me viva dor de meus pecados. E vós, ó terno e afetuoso Coração de meu Jesus, compadecei-vos de mim: profundamente detesto os desgostos que vos causei, e tomo a resolução de não amar senão a vós.
ORAÇÃO
JACULATÓRIA
Ó
Coração
tão terno de Jesus, oxalá nunca me esqueça de vos.
EXEMPLO
Os
padecimentos operam em nós um peso imenso de glória: esta é a
razão, porque eles são a sorte das almas mais queridas de Deus.
Santa Ludvina nos fornece brilhante exemplo desta verdade. Desde a
idade de doze anos, esta admirável donzela se negou a sair de casa
vez alguma senão com seus pais e tomou como regra, a que não
faltava, evitar toda conversação com moços, receando que o fogo da
volúpia, acendendo-se em seu seio, alterasse a brancura de sua veste
de inocência. Dotada das mais belas qualidades do corpo, espírito e
coração, ela foi, ainda jovem, pedida em matrimônio pelas melhores
famílias. Seu pai, apertando-a um dia neste ponto, recebeu a
seguinte resposta: «Eu
estimo muito minha virgindade para sacrificá-la a um esposo mortal.
Ao Rei dos reis é
que
eu quero ser unida.»
A mãe entrou nos desígnios de sua filha e disse a seu marido: «Pois
que ela é nossa filha única, demos-lhe ao Deus único.»
Animada por estas palavras de sua mãe, Ludvina retornou: «Se
quisessem obrigar-me ao matrimonio, eu obteria de Jesus alguma
deformidade tão repulsiva, que ninguém havia de me querer.»
Logo, com efeito, em consequência de 'uma queda, abriu-se-lhe uma
chaga que não houve remédio que curasse. A gangrena instalou-se e a
putrefação fez nascer vermes, que lhe devoraram as entranhas em
pouco tempo. Cada um de seus membros tinha um tormento particular.
Ludvina sofreu este martírio, abandonada de todos, durante 38
anos.
Jesus
Cristo foi sua consolação única. Ela dizia com ternura a seu bom
anjo: «Ó
meu irmão, dizei ao meu Esposo que desfaleço de amor. Oh! Se eu
pudesse atrair a mim o meu amado, introduzi-lo-ia no fundo de meu
Coração, ou antes eu entraria no seu Coração, e nele me abismaria
inteiramente.»
Nas suas dores, dia e noite, ela não fazia senão bendizer a vontade
de Deus com a paciência de Jó. Um dia, Jesus lhe apareceu, com a
cabeça coroada de espinhos, as mãos e pés traspassados, e o
Coração aberto. Ele se mostrou também à nossa Santa sob a forma
de uma hóstia, no meio da qual se viu um menino crucificado, cujas
chagas das mãos, dos pés e do Coração pareciam ensanguentadas,
prodígio de que foi testemunha sua família. Muitas vezes, para a
consolar, Jesus apertou sua esposa sobre seu divino Coração e lhe
deu a beijar suas chagas sagradas. Ela converteu muitos pecadores,
falando-lhes das misericórdias do Coração de Jesus. Uma vez, entre
outras, um príncipe veio de um país longínquo para a consultar,
dizia ele, sobre certos embaraços de consciência. A Santa,
percebendo que ele não se animava a tocar no ponto, pôs o dedo
sobre as chagas que ele se envergonhava de lhe mostrar, e não omitiu
diligência alguma para fazer nascer na sua alma salutar
arrependimento. O príncipe, ouvindo-a, derramou lagrimas. «Vós
chorais, disse-lhe ela, as menores das ofensas que fizestes a Deus;
pecados muito mais graves cometestes e deveis agora chorá-los.»
Depois,
ela descobriu-lhe seus pecados mais graves, sugeriu-lhe os meios de
se livrar deles, e acabou por lhe dizer: «Continuai
príncipe a marchar na estrada em que acabais de entrar;
confessai-vos com sinceridade, e vive de agora em diante em
penitência. Por este meio tornareis propício o Coração do divino
Mestre.»
A
noite que seguiu à morte de Santa Ludvina, duas santas almas tiveram
a mesma visão: o divino Salvador recebendo sua esposa no céu, com
as celestes milícias que cantavam sua triunfal entrada, apertou-a
com paternal amor sobre seu divino Coração. Assim é que a tristeza
se muda em alegria, a dor em glória. Oh!
Quanto é doce sofrer amando!,
exclamava
Santo Afonso. (Vie,
par
le
P. Bruchman.)
Receba
o conteúdo deste blog gratuitamente. Cadastre seu e-mail abaixo.
FONTE:
livro “O
Sagrado Coração de Jesus Segundo Santo Afonso Maria de Ligório ou
Meditações Para o Mês do Sagrado Coração, a Hora Santa e a
Primeira Sexta-Feira do Mês”,
tradução portuguesa da 83ª edição, por D. Joaquim Silvério de
Souza, Quinta Edição/1926, Ratisbona Typographia de Frederico
Pustet, Impressor da Santa Sé, pp. 249-255 – Texto revisto,
atualizado e adaptado para o português do Brasil)
Nenhum comentário:
Postar um comentário