16 DE NOVEMBRO, DIA DE SANTA GERTRUDES DE HELFTA A “FILHA DILETA DO CORAÇÃO DE JESUS”
Santa Gertrudes de Helfta |
Tão
ligada ao sobrenatural, mais parecia um anjo do Céu que uma criatura
terrena. Viveu alheia às atrações mundanas e foi tida como
“sustentáculo da religião”
Pouca
coisa se sabe da vida de Santa Gertrudes. Os cinco livros de suas
revelações nos oferecem poucos dados sobre sua própria vida.
Sabemos que nasceu pelo ano de 1256. Seus pais a colocaram como aluna
das beneditinas de Rodesdorf quando tinha apenas cinco anos.
Era
priora desse mosteiro outra Gertrudes, de Hackeborn. Muito piedosa e
culta, esta priora, vendo a estupenda inteligência de sua homônima,
incentivou-a muito não apenas na observância monástica, mas também
nas atividades intelectuais que Santa Lioba e suas freiras
anglo-saxãs haviam transmitido às suas fundações na Germânia.
A
pequena Gertrudes encantava a todos. “Nessa
alma, Deus reuniu o brilho e o frescor das mais belas flores à
candura da inocência, de maneira que encantava todos os olhares como
atraía todos os corações”,
diz
sua biógrafa e contemporânea1.
"Santa Matilde, que também era favorecida com aparições de Nosso Senhor Jesus Cristo, aconselhava Santa Gertrudes em suas dúvidas." |
A
educação de Gertrudes foi confiada à irmã da priora, Matilde,
muito adiantada na via mística e na santidade. Esta procurava
incutir nas almas de suas alunas o fogo do amor de Deus que devorava
seu coração. E encontrou em Gertrudes um campo propício para isso.
Assim, “conservando
a pureza de coração durante os anos de sua infância e
adolescência, e entregando-se com ardor aos estudos e artes
liberais,
[Gertrudes]
foi
preservada pelo Pai das misericórdias de todas as frivolidades que,
com frequência, arrastam a mocidade”2.
Na
conversão, recebe os estigmas de Cristo
Entretanto,
em seu afã de passar das línguas para a retórica, e desta para a
filosofia, ela diminuiu um tanto seu primitivo fervor. Foi quando,
aos 26 anos de idade, depois de um mês de terrível provação,
Nosso Senhor apareceu-lhe e fez-lhe compreender sua falta: “Provaste
a terra com meus inimigos e sugaste algumas gotas de mel entre os
espinhos. Volta a mim, e te inebriarei na torrente de meu divino
amor”3.
Explica
a biógrafa: “Então
Gertrudes compreendeu que tinha estado longe de Deus, em região
desconhecida, quando, aplicando-se até esse dia aos estudos
mundanos, descuidara de lançar seu olhar para a luz da ciência
espiritual e, devido a um apego muito forte aos encantos da sabedoria
humana, descuidara de lançar seu olhar para a luz da ciência
espiritual”4.
Nessa
visão foram-lhe impressas, não de modo visível externamente, os
sagrados estigmas de Cristo Senhor Nosso.
Após
tais acontecimentos, que ela chama de “sua conversão”,
entregou-se com ardor ao estudo da teologia escolástica e mística,
da Sagrada Escritura e dos Padres da Igreja, sobretudo de Santo
Agostinho, São Gregório Magno, São Bernardo e Hugo de São Vítor.
No
mosteiro ela não exercia outra função senão a de irmã-substituta
da irmã-cantora, Santa Matilde. Apesar de sempre doente e lutando
tenazmente contra suas paixões, atendia às inúmeras pessoas que a
vinham consultar, “com
citações dos livros sagrados empregadas tão a propósito, que não
permitiam objeções”5.
Para
esclarecer seus consulentes escreveu em língua vernácula (as outras
obras, escreveu-as em latim) alguns tratados, nos quais explicou
passagens obscuras da Sagrada Escritura e transcreveu as mais belas
sentenças dos Padres da Igreja. Infelizmente essas obras se
perderam.
"Por esse Coração divino conheci vossos secretos juízos." |
Sua
biógrafa, que era uma de suas ardentes condiscípulas, afirma também
que Gertrudes “era
fortíssimo apoio da Religião, defensora tão zelosa da justiça e
da verdade, que seria possível aplicar-lhe o que se diz do sumo
sacerdote Simão no mesmo livro da Sabedoria: ‘Sustentou a casa
durante sua vida’, isto é, foi o sustentáculo da Religião; ‘e
em seus dias fortificou o templo’, no sentido de que, por seus
exemplos e conselhos, fortificou o templo espiritual da devoção e
excitou nas almas um maior fervor”6.
Pureza,
humildade, bondade, fidelidade, caridade
Num
ano em que o frio ameaçava os homens, animais e colheitas, durante a
Missa Santa Gertrudes implorava a Deus que desse remédio a esses
males. E teve a seguinte resposta: “Filha,
hás de saber que todas tuas orações são ouvidas”.
Ao
que ela replicou: “Senhor,
dai-me a prova desta bondade fazendo com que cessem os rigores do
frio”.
Ao
sair da igreja, a santa notou que os caminhos estavam inundados pela
água produzida pela neve derretida. O tempo favorável continuou, e
começou mais cedo a primavera7.
Santa
Gertrudes procurava esclarecer-se sobre suas visões, especialmente
com Santa Matilde, que também era favorecida com aparições de
Nosso Senhor Jesus Cristo. Sobre as duas, tendo uma alma santa do
mosteiro perguntado a Nosso Senhor “por
que exaltava Gertrudes acima de todas e parecia não reparar em
Matilde, Ele respondeu: ‘Eu faço grandes coisas nesta, mas as que
faço e ainda farei naquela são bem maiores’”.
E
explicou o porquê dessa predileção: “Um
amor todo gratuito me prende a ela, e é este mesmo amor que, por um
dom especial, dispôs e conserva agora em sua alma cinco virtudes, em
que me deleito: uma verdadeira pureza, pela influência contínua de
minha graça; uma verdadeira humildade, pela abundância de meus
dons, pois, quanto mais realizo grandes coisas nela, mais ela
mergulha nas profundidades de sua indignidade pelo conhecimento de
sua fragilidade; uma verdadeira bondade que a leva a desejar a
salvação de todos os homens; uma verdadeira fidelidade, pela qual
todos os seus bens me são oferecidos pela salvação do mundo;
enfim, uma verdadeira caridade que a faz amar-me com fervor, com todo
seu coração, toda sua alma e todas suas forças, e ao próximo como
a si mesma por minha causa”8.
Devoção
ao Sagrado Coração de Jesus
A
Eucaristia era o centro da piedade de Gertrudes, que oferecia a Nosso
Senhor todos seus atos e orações antes da comunhão, como
preparação para acercar-se mais dignamente da Sagrada Mesa; e todos
os que se seguiam à comunhão, como outros tantos atos de ação de
graças pelo excelso benefício.
“Diz-se
que Santa Gertrudes foi a santa da santa humanidade de Cristo, assim
como Santa Catarina de Gênova o foi da divindade. Diz-se igualmente
que Santa Gertrudes ensinou de maneira admirável a teologia da
Encarnação, que foi a teóloga do Sagrado Coração, e que, se não
foi escolhida para ser a apóstola do Sagrado Coração, foi ao mesmo
tempo a amante radiosa, a poetisa delicada e a profetisa dessa
devoção. Encarnação, misericórdia de Jesus e intimidade
confiante com Ele, Sagrado Coração, tal é, com efeito, o domínio
de Santa Gertrudes. A isso convém acrescentar a Eucaristia: poucos
levaram avante a comunhão frequente tanto quanto ela, e com um
sentido tão justo das condições requeridas”9.
Algumas
das revelações de Nosso Senhor a Santa Gertrudes parecem preludiar
as que faria quatro séculos depois a Santa Margarida Maria Alacocque
sobre seu Sagrado Coração. Apresentou-lhe um dia, por exemplo, seu
divino Coração sob a forma de um turíbulo de ouro, do qual subiam
ao Pai Celeste tantas colunas de perfumado incenso quantas são as
classes de homens pelas quais Ele deu a vida.
Uma das inúmeras aparições de Nosso Senhor à santa, nas quais já preludia a devoção ao Sagrado Coração de Jesus |
Santa
Gertrudes assim fala de graças recebidas desse divino Coração:
“Além
desses favores, me admitistes ainda à incomparável familiaridade de
vossa ternura, oferecendo-me a arca nobilíssima de vossa divindade,
quer dizer, vosso Coração Sagrado, para que nele me deleite. Vós o
destes a mim gratuitamente ou o trocastes pelo meu, como prova ainda
mais evidente de vossa terna intimidade. Por esse Coração divino
conheci vossos secretos juízos. Por ele me destes tão numerosos e
doces testemunhos de vosso amor, que se não conhecesse vossa
inefável condescendência, eu ficaria surpreendida ao ver-vos
prodigalizá-los até mesmo à vossa amada Mãe, se bem que Ela seja
a mais excelente criatura e reine convosco no Céu”10.
Santa
Gertrudes havia escrito uma preparação para a morte, para proveito
dos fiéis. Consistia em um retiro de cinco dias, o primeiro dos
quais consagrado a considerar a última enfermidade; o segundo, a
confissão; o terceiro, a unção dos enfermos; o quarto, a comunhão;
e o quinto a dispor-se para a morte. Certamente ela se preparou desse
modo para seu falecimento. Segundo a tradição, este deu-se pelo ano
1302 ou 1303, durante um de seus inumeráveis êxtases, provavelmente
no dia 15 de novembro.
Santa
Teresa de Ávila e São Francisco de Sales promoveram muito o culto a
essa santa extraordinária, mas só em 1739 ele foi estendido à
Igreja Universal11.
________Plinio
Maria Solimeo
NOTAS
(da fonte):
1.
Revelações de Santa Gertrudes, Livro I, cap. 1, p. 9 – Artpress,
São Paulo, 2003. As citações das Revelações serão sempre desta
obra.
2.
Idem, cap. 1, p. 10.
3.
Idem, Livro II, cap. 1, p. 10.
4.
Idem, Livro I, cap. 1, p. 10.
5.
Idem, Livro I, cap. 1, p. 11.
6.
Idem, Livro I, cap. 1, p. 12.
7.
Edelvives, El
Santo de Cada Dia, Editorial
Luis Vives, S.A., Saragoça, 1949, vol. VI, p. 166.
8.
Revelações, Livro I, cap. 3, pp. 19-20.
9.
F. Vernet, Gertrude
la Grande,
Dictionnaire de Théologie Catholique, Letouzey et Ané, Éditeurs,
Paris, 1903, tomo VI, col. 1333.
10.
Revelações, Livro II, cap. 23, p. 83.
11.
Outras obras consultadas:
Les
Petits Bollandistes,Vies
des Saints,
Bloud et Barral, Libraires-Éditeurs, Paris, 1882, tomo XIII, pp. 429
e ss.
Fr.
Justo Perez de Urbel, O.S.B, Año
Cristiano,
Ediciones Fax, Madrid, 1945, tomo IV, pp. 354 e ss.
Gertrude
Casanova, St.
Gertrud the Great,
The Catholic Encyclopedia, Online Edition, www.newadvent.org
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FONTE:
Revista “Catolicismo”, nº 707, Novembro de 2009 (Vidas de
Santos). O título original do artigo é “Santa Gertrudes Filha
Dileta do Coração de Jesus”. Texto revisto e atualizado e alguns
destaques são nossos.
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