GARCÍA
MORENO, UM PRESIDENTE MORTO POR CONSAGRAR O PAÍS AO SAGRADO CORAÇÃO
No
dia seis de agosto de 1875, na principal praça de Quito, Equador,
morria um homem. Era a primeira sexta-feira do mês.
Um pouco antes, depois de passar um tempo em adoração ao Santíssimo
Sacramento na Catedral, o homem dirigiu-se ao Palácio Presidencial
para reunir-se com seus ministros. Quando aproximava-se do Palácio,
uma emboscada o esperava e ele foi abatido por golpes de facão, com
gritos de seus algozes: “Morra, assassino da liberdade!”
ao que respondia o homem: “Deus não morre”.
Ele viveria tempo suficiente para receber a Extrema Unção e fazer
as pazes com seus carrascos, perdoando-os sinceramente. Assim
foram as últimas horas de Gabriel García Moreno.
García
Moreno havia acabado de ser reeleito Presidente da República do
Equador para um terceiro mandato. Seus amigos alertaram-no
insistentemente sobre as conspirações maçônicas para assassiná-lo
e pediram que o homem arrumasse um guarda-costas. A este último
pedido, terminantemente ele negou. Descartando tais admoestações,
dizia ele:
“Não
posso consentir em ter uma guarda. Meu destino está nas mãos de
Deus, Aquele que irá me levar deste mundo na hora e da forma que
mais agradá-lO.”
Gabriel
García Moreno é conhecido como o maior estadista católico da era
moderna. Diferente de muitos políticos modernos que avaliam a
grandeza de uma civilização pelo seu progresso material, García
Moreno entendeu que o critério decisivo para uma civilização de
verdade estava na perfeição moral e religiosa de seu povo.
Os
primeiros anos
Em
meio às guerras sul-americanas pela independência, nascia o jovem
García Moreno em Guayaquil, no quarto dia de dezembro de 1821. Seu
pai era emigrado da região de Castela e sua mãe era de família
cujos membros ocupavam importantes cargos civis e eclesiásticos
tanto na Espanha quanto no Novo Mundo. Ambos foram fervorosos na
Fé católica e criaram oito filhos, sendo Gabriel o mais novo.
Por
ter perdido o pai enquanto ainda era menino, García Moreno não teve
a mesma educação que seus irmãos mais velhos. Foi então que um
monge de um mosteiro local tomou o jovem sob sua tutoria e educou-o
nos assuntos elementares. O garoto, assim, daria grandes passos.
Ao mudar-se para Quito para cursar o ensino médio, ele estudou
matemática, filosofia e ciências naturais no Colégio de San
Fernando, dentro da Universidade de Quito, além de adquirir fluência
em francês e inglês nesta mesma época.
Naqueles
anos, a piedade de García Moreno já era notável entre seus amigos.
Ele estava presente em todos os exercícios religiosos e recebia a
Sagrada Comunhão semanalmente. Ele chegou a pensar que teria uma
outra vocação e, brevemente, fez uma experiência clerical. No
entanto, ele depois descobriria que seu chamado era de o de estar no
mundo.
Por
amar a justiça e ver nesta disciplina um meio para entrar na vida
pública, García Moreno iniciou os estudos do Direito. Ele chegou ao
grau de Doutor em Direito aos 23 anos. Como advogado, ele recusava em
absoluto qualquer caso que a justiça não estivesse ao seu lado. Uma
vez solicitado por um juiz para defender um famoso assassino, ele
rejeitou e disse: “Seria mais
fácil tornar-me eu mesmo um assassino do que defender um”.
Ele
não exerceu a advocacia por muito tempo e logo mudou para o
jornalismo. Pouco tempo depois da volta dos Jesuítas ao Equador, uma
polêmica emergiu quando a maçonaria publicou um panfleto desonesto
onde caluniava a ordem religiosa. García Moreno, então, escreveu
uma brilhante resposta, intitulada “Defensa de los Jesuitas”,
onde ele, indignado, declarava:
 |
Presidente Gabriel García Moreno |
“Vocês
fingem querer exterminar os Jesuítas alegando ser por amor e para a
maior glória da Igreja Católica. Mentiras e falsidade! Vocês
apenas atacam os Jesuítas, porque querem atacar o Catolicismo. É um
fato histórico este o de todos os inimigos da Igreja Católica
abominarem a Companhia de Jesus.”
À
medida em que o mal começava a querer triunfar no Equador, García
Moreno continuava com o jornalismo de maneira admirável. Dentro do
governo corrupto de Vicente Ramón Roca, vociferava ele: “Próximos
desses traidores, há uma porção de homens nobres e corajosos,
dispostos a sacrificar até a última gota de sangue para não
abandonar Deus e seu país”. Munido de um talento considerável,
ele empunhava sua caneta para desmascarar os vícios dos líderes do
país. Ao protestar contra o tirano José María Urbina, ele disse:
“Nenhum vício ou crime é desconhecido dele. Traição, falso
testemunho, fraude, roubo, crueldade, deslealdade, nada falta. Sua
vida ignóbil é escrita aos poucos no código penal”.
Depois
de ter sido eleito senador em 1853, ele foi forçosa e ilegalmente
retirado do posto pelo general Francisco Robles, um dos militares
próximos ao presidente Urbina. García Moreno seria enviado para o
exílio, passado na França.
Enquanto
morava em Paris, ele viveu um tempo de conversão ainda mais
profundo. Ele, agora, passaria mais tempo dedicado ao estudo e a
oração. A frequência diária na Missa, a oração diária de uma
dezena do Rosário, ele evitava todas as distrações. Em Paris, ele
morava como um eremita em um pequeno apartamento, onde estudava noite
adentro. Nesta época, ele dizia: “Eu estudava dezesseis horas
por dia e, se um dia tivesse quarenta e oito horas e não vinte e
quatro, eu ficaria feliz em dedicar quarenta horas para o meu
trabalho”. Em que consistiam estes estudos? Dentre outras
coisas, ele estudou cuidadosamente a legislação social em vários
países europeus. Ele também leu a obra de Abbé Rohrbacher,
L’Histoire universelle de l’Église Catholique, de onde
aprendeu como a Igreja e o Estado podem trabalhar juntos de forma
harmoniosa.
Foi
então que os amigos de García Moreno solicitaram ao General Robles
que providenciasse um salvo-conduto do exílio para sua pátria. Ao
retornar, ele foi escolhido como reitor da Universidade de Quito.
Nesta academia, ele ministrou aulas brilhantes de química, doando
seu laboratório pessoal para a universidade.
Durante
os governos anteriores de Vicente Roca, José María Urbina e
Francisco Robles o país havia sido submetido a ditaduras tirânicas
e assolado pela guerra civil. De tempos em tempos, a eleição de
bons homens para a Câmara era invalidada por estes tiranos. Enquanto
que, ao mesmo tempo, o tesouro era saqueado por tais líderes e seus
comparsas. Não havia orçamento estatal, muito menos
responsabilização por tudo isso. Além disso, o ensino superior foi
depreciado e destruído. Durante a intervenção do presidente
Urbina, os estudantes foram admitidos a colar grau sem nenhum estudo
ou exame. Por último, mas não menos importante: a Igreja foi
duramente perseguida. O bispo de Guayaquil foi expulso e substituído
por um “fantoche” clerical de Urbina. Aqueles “suspeitos de
costume”, os Jesuítas, foram ajuntados e todos expulsos de uma vez
do país. Conventos tornaram-se quartéis e instituições
eclesiásticas foram secularizadas. As escolas primárias foram
abolidas. O que dizer dos louvados mantras do “Iluminismo” e do
“Progresso”? Se a Revolução encontrasse continuidade, o
Equador, certamente, seria impelido como sendo a “Idade das Trevas”
moderna.
Enquanto
isso, García Moreno foi novamente eleito para o Senado. Por sua
eloquência como senador em 1857, ele encabeçou a aprovação de uma
lei que determinava a dissolução de todas as lojas maçônicas no
Equador. Sua razão era simples: o caráter antirreligioso. De
forma dissimulada, o governo declarou que as lojas não tinham
caráter irreligioso e recusou aplicar a lei. Este era o estado
daquela nação pouco antes de García Moreno ser eleito presidente.
Sua
vida espiritual
O
segredo por trás do sucesso de García Moreno como líder e
estadista estava em sua vida interior. Um homem de profunda piedade,
ele percebeu que, para recompor o povo equatoriano, ele precisaria
primeiro formar um relacionamento com Cristo através da oração e,
também, santificar sua alma. Sua vida interior bem determinada
estava claramente revelada em sua Regra de Vida escrita na última
página de seu exemplar de A Imitação de Cristo, encontrado
junto de si depois de ter sido assassinado. Entre as diretrizes de
sua Regra, via-se as seguintes:
– Toda
manhã ao fazer minhas orações, vou pedir, em especial, por
humildade.
– Todos
os dias vou ouvir a Missa, rezar o Rosário e ler, além de um
capítulo d’A Imitação, esta regra e as instruções anexas.
– Terei
o cuidado de me manter, ao máximo, na presença de Deus,
especialmente em conversas, assim evito falar palavras inúteis. Vou
constantemente oferecer meu coração a Deus, principalmente antes de
iniciar qualquer ação.
– Farei
um exame de consciência específico, duas vezes por dia, quanto a
prática de virtudes e um exame geral todas as noites. Vou me
confessar toda semana.
Sua
Regra de Vida também demonstra a disciplina empregada em sua rotina.
Seu dia era ordenado e regrado. Levantava às cinco da manhã, ia à
igreja às seis para Missa e meditação. Sete horas da manhã ele
visitava os doentes no hospital e, depois, trabalhava em seu quarto
até dez horas da manhã. Após um simples café, ele trabalhava com
seus ministros até três horas da tarde. Depois do jantar, às
quatro da tarde, ele fazia as visitas necessárias e resolvia
problemas. Entre seis e nove da noite, ele já estava em casa para
passar um tempo com a família. Quando todos descansavam ou buscavam
os divertimentos noturnos, ele retornava ao seu escritório para
trabalhar até onze horas da noite, às vezes até a meia noite.
García
Moreno certamente não era perfeito. Ele poderia ser impaciente e
imperioso. No entanto, ele realmente tinha a humildade de admitir
quando estava errado. Certa vez, quando estava submerso em questões
do trabalho, um sacerdote o abordou sobre um assunto insignificante.
Ao que, de maneira brusca, respondeu ele: “Não valeu a pena
incomodar-me com assunto tão pequeno”. O sacerdote, humilhado,
saiu depressa. Na manhã seguinte, porém, García Moreno visitou o
sacerdote e pediu perdão por sua “conduta apressada e
desrespeitosa”. Ele não era conhecido por gabar-se de qualquer
conquista própria. Além disso, por correspondências, ele
solicitava correção fraterna de prelados ou até de almas com odor
de santidade.
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Sagrado Coração de Jesus.Equador (Quadro do Sagrado Coração, com o qual Dom José Inácio C. y Barba e Gabriel García Moreno fizeram a consagração do Equador) |
Conquistas
como presidente
Durante
o primeiro mandato como presidente (1861-1865), García Moreno tentou
limpar a bagunça política, financeira, educacional e eclesiástica
que os liberais e radicais egocêntricos haviam legado ao país.
Um
dos primeiros objetivos de García Moreno era justamente a negociação
de uma concordata junto da Igreja Católica. Do ponto de vista da
Igreja, esta concordata (1862) foi um dos acordos mais favoráveis já
feitos com qualquer Estado.
Quando
ele chegou ao ofício, ele tinha três tarefas importantes. Era
preciso reformar a governança, o estado financeiro do país e o
exército. O governo estava repleto de oportunistas que devoravam, de
forma voraz, a riqueza do Estado às custas do povo. García Moreno
dispensou estes e substituiu-os por homens honestos que ele esperava
trabalhar regular e diligentemente.
Ele
também concentrou sua atenção no desastre financeiro do país. O
governo tomou empréstimos sem limites, taxou o povo impiedosamente,
não conseguiu controlar os gastos e não manteve um orçamento.
Depois de trabalhar incansavelmente para zerar a dívida, García
Moreno introduziu um método melhor para registro contábil, criou um
Conselho de Controle para atuar na fiscalização de fraudes no órgão
executivo e removeu todos os oficiais envolvidos em desvio de verba
pública. Ele mesmo recusou receber o salário presidencial: ele
devolveu uma parte para o tesouro nacional e outra doou para obras de
caridade.
Depois
de restaurar a ordem e a paz no Equador, García Moreno iniciou a
implementação de seus planos para a restauração social de uma
civilização cristã. Dessa forma, ele debruçou-se na educação.
Ao passo que os revolucionários e a maçonaria desejavam laicizar a
educação ao erradicar qualquer influência de moralidade ou
religião nos jovens, ele decidiu fazer exatamente o oposto. Ele
convidou congregações religiosas francesas para formar o intelecto
e os corações dos jovens, para cuidar dos doentes nos hospitais e
dos criminosos nos presídios. Os Jesuítas, outrora dispensados,
também foram recebidos de volta.
García
Moreno acreditava ser muito difícil continuar a reformar o país e
manter a estabilidade com aquela velha constituição; assim, ele fez
pressão para a composição de uma nova. Em 1869, a nova
constituição foi estabelecida no Congresso. Entre as principais
mudanças: maior poder do governo sobre as forças armadas; poder de
veto do governo sobre o Congresso; e a permissão para o governo
estabelecer uma lei marcial durante revoltas. “A Fé Católica
Apostólica Romana era a religião do Estado e dispensava-se todas as
outras”. O Estado daria suporte à Igreja em todos os seus
direitos e privilégios. Para garantir esta medida, somente católicos
seriam admitidos para ocupar cargos públicos. Surpreendentemente, o
Congresso aprovou esta última cláusula quase de maneira unânime,
com apenas dois votos contrários. Por último, membros de sociedades
secretas foram privados dos direitos civis.
O
governo de García Moreno no Equador alcançou um sem número de
reformas, porque incluíram mudanças significativas nas forças
armadas, na educação e no atendimento aos pobres e doentes. Ele
tratou com singular atenção o bem-estar dos índios e dos pobres de
zona rural, no interior do Equador, patrocinando missões de Jesuítas
e Redentoristas para proteger este povo simples da exploração. Ele
também dedicou esforço considerável para melhorar a infraestrutura
do país por meio da construção de estradas e torres de farol,
pavimentação de ruas e a restauração da beleza da capital do
país.
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Ilustração do assassinato do Presidente Gabriel García Moreno |
Últimas
considerações
Após
o assassinato de García Moreno, toda a cidade de Quito entrou em
luto e os sinos tocavam ininterruptamente. Os
conspiradores pensaram que o assassinato desencadearia uma revolução.
Tamanha seria a frustração destes. Por
três dias, enquanto seu corpo era velado na Catedral, milhares de
pessoas, aos prantos, foram prestar condolências ao homem que tanto
havia feito pelo país. Na sessão de 16 de setembro de 1875, o
Congresso equatoriano emitiu um decreto onde prestava homenagem a
García Moreno, “O Restaurador de seu país
e Mártir da civilização católica”.
Passados
apenas dois anos do assassinato de García Moreno, outro assassinato
escandalizava o país: o do Arcebispo de Quito. No dia 30 de março
de 1877 – uma Sexta-Feira Santa –, o Arcebispo José Ignacio
Checa y Barba purificava o cálice com vinho após consumir a Hóstia
durante a Solene Ação Litúrgica da Paixão do Senhor e notou que o
vinho tinha um sabor amargo. Pouco depois do culto, ele morreria com
dolorosas convulsões. Uma autópsia revelou que o vinho havia sido
envenenado com estricnina. Apenas algumas semanas antes do
assassinato, o governo de Ignacio de Veintemilla começou a perseguir
a Igreja. Em particular, os sermões sofreram censuras por parte do
governo. Tal medida levou o gentil bispo a protestar vigorosamente
contra estas injustiças do governo. Nunca ninguém foi acusado do
assassinato, entretanto, a suspeita recaiu sobre o governo. Junto
de García Moreno, o Arcebispo Checa y Barba foi quem consagrou o
Equador ao Sagrado Coração.
Como
García Moreno ajudou avidamente a Igreja a influenciar a sociedade,
ele foi chamado de “teocrata”. Entretanto, o
estadista não fazia nada além de propagar o Reinado Social de
Cristo – este seria, precisamente, o
assunto que Pio XI trataria em sua carta encíclica Quas
Primas, cinquenta anos mais tarde. Tal qual
seu contemporâneo, o Cardeal Louis Pie de Poitiers, García Moreno
também reconheceu que, se “a época não é favorável para o
reinado de Cristo, ela também não é favorável para que governos
perdurem”. Ao
consagrar seu país ao Sagrado Coração de Jesus em 1873, o
presidente construía a base sólida para a futura prosperidade e
sucesso do Equador.
☞ Nota
da Fonte: A maioria das citações foram
retiradas de García Moreno, President of
Ecuador, do Pe. Augustin Berthe.
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FONTE:
Centro Dom Bosco. Alguns destaques foram acrescidos.