«Eis o Coração que tanto amou os homens, que não poupou nada até esgotar-se e consumir-se, para lhes testemunhar seu amor; e por reconhecimento não recebe da maior parte deles senão ingratidões.»(Sagrado Coração de Jesus a Santa Margarida Maria Alacoque)

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019


SÃO CLÁUDIO DE LA COLOMBIÈRE, GRANDE APÓSTOLO DO SAGRADO CORAÇÃO

Escolhido por Nosso Senhor para dirigir Santa Margarida Maria Alacquoque na mais trágica e decisiva fase da vida desta, o Santo deu o impulso inicial à devoção ao Sagrado Coração nos Tempos Modernos. Qualificado pelo Divino Redentor como servidor fiel e amigo perfeito(1), tornou-se ele renomado pregador e diretor de consciências, além de apóstolo do Escapulário. Em sua opinião, “nenhuma outra devoção oferece tanta certeza à nossa salvação” quanto esta prática religiosa.(2)
Natural de Saint-Symphorien, perto de Lyon, Cláudio de la Colombière provinha de família que já dera ilustres membros à Magistratura. De sua mãe, muito piedosa, recebeu a formação religiosa que despertaria nele a vocação.
O fato de ter sido aluno do Colégio dos jesuítas de Lyon, cujos professores eram conhecidos por sua militância antijansenista(3), marcou a fundo sua espiritualidade e futuro apostolado, baseado na misericórdia e na confiança.
Noviço jesuíta, seus dotes invulgares já aos 19 anos chamaram a atenção de seu mestre, o Pe. Jean Papon, que assim o descreve ao Geral da Companhia, em relato de 1660: temperamento “suave” e aparência “delicada”, “grande talento, rara capacidade de juízo, prudência consumada, muita experiência da vida. Começou bem os estudos. Apto para qualquer coisa”(4).
Religioso exímio e fidalgo consumado
Ainda estudante foi escolhido para preceptor de dois filhos do poderoso ministro de Luís XIV, Colbert: Nicolau, futuro Arcebispo de Rouen, e João Batista, futuro marquês de Seignelay e Ministro da Marinha.
Na residência de Colbert – grande mecenas da cultura – conviveu com pessoas polidas, elegantes e cultas. Tornou-se amigo de Olivier Patru, membro da Academia Francesa, considerado o homem que falava o melhor francês no Reino. Nessa convivência completou sua educação, tornando-se não apenas um perfeito religioso, mas também consumado fidalgo(5).
O Pe. Nicolau La Pesse, editor de seus “Sermões”, em Lyon, no ano de 1684(6) assim o descreve:
Espírito vivo, juízo seguro, fino e penetrante, alma nobre, jeito e graça. Distinguia-se sobretudo por sua maneira de pensar e pela elegância e precisão de expressão. Quando falava com as pessoas, sua distinção e doçura conquistavam os espíritos e os corações. A união com Deus transparecia no seu rosto e nas suas palavras. A oração era nele habitual. Como era reto e esclarecido, considerava com extrema justiça qualquer assunto que tivesse de tratar”(7).

É preciso ser santo para fazer santos”
Ordenado sacerdote em 1669, o Pe. de La Colombière voltou a Lyon para lecionar no Colégio da Trindade, durante três anos. Retirou-se depois para a Casa São José, ali completando o período da probatio, ou seja, o ano de recolhimento e meditação prescrito pela regra da Companhia de Jesus.
Descendendo de família de notários, o jovem jesuíta “sentia muito o valor dos compromissos jurídicos e especialmente dos votos feitos a Deus”. Não só naquela Casa religiosa, mas ainda durante três a quatro anos, meditou de tal modo sobre as Constituições e o espírito da Companhia de Jesus, que fez o voto de “observar as Constituições, as regras comuns, as regras da modéstia e as da vida Sacerdotal”(8) o mais perfeitamente possível.
Foi esse o meio que escolheu para santificar-se. Nesse sentido, lê-se em uma das deliberações que tomou durante a probatio: “Não importa o preço: é preciso que Deus esteja contente. É verdade que é preciso ser santo para fazer santos, e meus defeitos muito consideráveis me fazem conhecer quanto estou distante da santidade; mas, meu Deus, fazei-me santo, e não poupai nada para me fazer bom. Quero sê-lo, não importa o que me custar(9).
Encontro de dois Santos

Com essas qualidades espirituais e intelectuais, o Pe. Cláudio estava já preparado para a grande missão de sua vida.
São Cláudio de la Colombière e Santa Margarida Maria

Tendo sido transferido o Pe. Pierre Papon, superior dos jesuítas de Paray-le-Monial, o Pe. de la Colombière foi designado para substituí-lo no cargo. Isso mostra o alto conceito em que era tido.

Havia no Convento das Visitandinas daquela cidade uma jovem religiosa, simples, de pouca cultura, que parecia estar sendo favorecida por graças extraordinárias e necessitava de uma direção segura. Sua Superiora, Madre de Saumaise, apesar de reconhecida virtude e discernimento, não se sentia segura para julgar questão tão delicada. Recorrera, para isso, às notabilidades locais. Estas foram unânimes em julgar que se tratava de ilusões...

A boa Madre, no entanto, hesitava: a Irmã Margarida Maria (1647-1690) era sensata, humilde, obediente e não parecia ter nada de visionária nem querer se valorizar por essas experiências místicas. Portanto, era preciso que elas fossem julgadas por alguém com santidade, vasta cultura e profundo saber teológico, e com renome de grande prudência e juízo seguro. A quem recorrer?

Foi durante esse impasse que o Pe. Cláudio chegou a Paray-le-Monial e conheceu a vidente.

A chancela do renomado jesuíta à nova devoção

Em sua primeira preleção às monjas, o Pe. Cláudio notou uma que o ouvia mais atentamente. A superiora informou-o que se tratava da Irmã Margarida Maria.

É uma alma visitada pela graça, comentou o jesuíta.

Ao mesmo tempo, uma voz interior dizia à mencionada freira: Eis aquele que te envio(10).

Como os santos geralmente falam a mesma linguagem, o Pe. de la Colombière e a Irmã Margarida Maria logo se entenderam. Ele interpretou a experiência mística da religiosa e estimulou-a vivamente a seguir as inspirações do Espírito que a dirigia.

E, contra a generalidade das opiniões, empenhou seu juízo de aprovação de maneira serena e firme. A Superiora poderia ficar tranquila; aquilo vinha de Deus.
São Cláudio de la Colombière e São
Francisco de Sales
(antigo postal - foto: ec.aciprensa)
 

São Cláudio de la Colombière representou assim a caução humana das visões de Santa Margarida Maria. Acontecesse o que fosse – e muita perseguição e incompreensão ainda teriam lugar –, um fato irremissível estava posto: o jesuíta afamado por sua prudência e segurança de juízo estava certo da autenticidade das visões da Irmã Margarida Maria.

Nos 20 meses em que o Pe. Cláudio foi Superior da residência jesuíta em Paray-le-Monial, fundou associações de piedade, pregou missões e dirigiu numerosas almas.

Porém, a grande importância de seu apostolado consistiu no apoio inestimável que prestou a Santa Margarida Maria: uma nova luz – a devoção ao Sagrado Coração – iria encher os espaços da Igreja sob o bafejo de Papas e Santos. Coube ao Pe. de la Colombière, naquele momento, a missão de proteger o seu tímido bruxuleio inicial contra as várias tempestades. E ele foi fiel ao encargo recebido.

Apostolado fecundo: ódio dos hereges e prisão

Entrementes, outro campo ainda maior de apostolado reclamava o zelo prudente do Padre de la Colombière: a Inglaterra.

O Duque de York, herdeiro do trono e futuro Jaime II, casara-se com a Princesa italiana Maria Beatriz d’Este, filha do Duque de Módena, encantadora, séria, piedosa e de grande inteligência. O Pe. Cláudio foi escolhido para a difícil tarefa de ser seu confessor e o pregador de sua capela. Deveria viver em meio a uma população cheia de prevenções anticatólicas; ter hábitos de Corte, sem se deixar mundanizar; saber agradar com naturalidade, mas ser firme nos princípios. Poderia fazer um grande bem, porém haveria sempre o risco de comprometer os interesses católicos de forma gravíssima, se fosse inábil ou imprudente. Tal missão pressupunha não apenas uma virtude sólida, mas também destreza, tato e experiência da vida.

Perfeito filho da obediência, o Pe. Cláudio deixou Paray-le-Monial rumo a Londres, em agosto de 1676.

Na capital inglesa, não se limitou a ser o pregador e diretor de consciência da Duquesa de York. Seus densos e piedosos sermões na capela do palácio atraíam muita gente. Visitava doentes e converteu muitas pessoas. Resgatou da apostasia dezenas de Sacerdotes. Sempre que possível, inculcava a devoção ao Sagrado Coração, que recebera de Santa Margarida Maria, e ao Escapulário.

O ódio antirreligioso contra ele aumentou. Para destruir as perspectivas favoráveis que a Religião Católica encontrava na Inglaterra neste final de século XVII, foi desencadeada uma das mais terríveis campanhas de calúnias da História, misto de estrondo publicitário, denúncias no Parlamento, medidas judiciais e pressões sobre a Corte e o Rei. Embora baseada na mentira, a febricitação criada convulsionou o Parlamento e a opinião pública.

São Cláudio, acusado injustamente de um suposto complô contra o Rei, o “Oates Plot”, foi lançado nos calabouços infectos e gelados do King’s Bench, onde as péssimas condições agravaram sua tuberculose incipiente. Em dezembro de 1678, banido da Inglaterra voltou para a França.
(Foto: blog o Segredo do Rosário)

Às portas da morte, zelo não arrefece

O Padre de la Colombière viveu ainda alguns meses, sempre muito doente. Foi-lhe dado um ofício pouco cansativo – diretor espiritual dos seminaristas em Lyon –, tendo durante essa fase exercido benéfica influência sobre o futuro Pe. de Galliffet, o qual se transformou num dos maiores apóstolos da devoção ao Sagrado Coração no século XVIII.

São Cláudio faleceu em Paray-le-Monial no dia 15 de fevereiro de 1681, celebrizando-se como o Santo da confiança e o pregador da misericórdia do Sagrado Coração. Beatificado por Pio XI em 1929, foi canonizado por João Paulo II em 1992.


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Notas

1 - Vie et Oeuvres de Sainte Marguerite-Marie, Éditions Saint Paul, Paris, 1991, t. 2, pp. 451 e 452, apud Péricles Capanema Ferreira e Melo, O Estandarte da Vitória - A devoção ao Sagrado Coração de Jesus e as necessidades de nossa época, Artpress Indústria Gráfica e Editora, São Paulo, 1998, p. 46.

2 - Sermon pour la fête du Scapullaire, Oeuvres, Lyon, 1702, T. III, apud John Mathias Haffert, Maria na sua Promessa do Escapulário, Edições Carmelo, Aveiro, 1967, p. 93.

3 – O Jansenismo, heresia que constituiu uma corrente semiprotestante no interior da Igreja, era de um rigorismo hirto e despropositado. Foi condenado por diversos Papas.

4 - Pe. Georges Guitton, S.J., Le bienheureux Claude La Colombière - son milieu et son temps, Librairie Catholique Emmanuel Vitte, Paris, 1943, p. 56, apud Péricles Capanema Ferreira de Melo, op. cit. P. 45.

5 - Cfr. Péricles Capanema Ferreira e Melo, op. cit. p. 47.

6 – in Santos de Cada Dia, Pe. José Leite, S.J., Editorial A.O., Braga, 1993, 3a. Edição, vol. I, p. 226.

7 – Cfr. Péricles Capanema Ferreira e Melo op. cit. p. 47.

8 – in Santos de Cada Dia, op. cit., p. 226.

9 - Jean Guitton, op.cit. pp. 165, 169, apud Péricles Capanema, Op. Cit., p. 50.

10 – Idem Guitton, op. cit., p. 239, apud Péricles Capanema, op. cit., p. 51.




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FONTE: Revista “Catolicismo”, nº 578, Fevereiro de 1999 (http://catolicismo.com.br/materia/materia.cfm/idmat/7153D27D-3048-560B-1CF029AF4C9DC714/mes/Fevereiro1999 – Texto revisto e atualizado. Alguns destaques são nossos)

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