«Eis o Coração que tanto amou os homens, que não poupou nada até esgotar-se e consumir-se, para lhes testemunhar seu amor; e por reconhecimento não recebe da maior parte deles senão ingratidões.»(Sagrado Coração de Jesus a Santa Margarida Maria Alacoque)

sexta-feira, 15 de novembro de 2019


SANTA GERTRUDES DE HELFTA (A GRANDE), E AS PRIMÍCIAS DA DEVOÇÃO AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS



A tão popular como benéfica devoção ao Coração de Jesus foi objeto de uma lenta evolução através dos séculos. (…)

S. João Evangelista, o Apóstolo privilegiado que, reclinado sobre o peito do Salvador, teve a dita de sentir e ouvir o Coração do Redentor a palpitar fortemente de amor pelos homens. S. João foi quem lançou a semente da devoção ao amantíssimo Coração, quando, no seu Evangelho, pintou ao vivo a ferida aberta no costado de Jesus pela lança do soldado1.

Dificilmente se encontraria nos primeiros séculos da Igreja qualquer indício da devoção ao Coração de Jesus.

A devoção às cinco Chagas, na idade média, abriu o caminho para chegar à devoção do Coração2.

De variadas formas se exteriorizou a devoção às cinco Chagas. Aqui era uma Santa Clara que repetia frequentemente a jaculatória: Vulnera quinque Dei sint medicina mei3; além era um devoto peregrino que jejuava cinco dias seguidos para venerar as cinco feridas do Crucificado. Suso bebia cinco vezes em cada refeição; uma santa religiosa interrompia a oração para fazer cinco prostrações, etc.

Foi, porém, a iconografia das cinco Chagas que mais diretamente, talvez, concorreu para a manifestação da devoção ao Coração de Jesus.

Conquanto fosse objeto duma devoção muito particular, a Chaga do lado não fora ainda aproveitada como porta franca para atingir ao Sagrado Coração. Uma fortuita necessidade de adaptação foi a ocasião de descobrir aos olhares e à devoção dos fiéis o Coração ferido como termo da Chaga do lado.

Na idade média, com efeito, era muito divulgado e venerado o brasão das cinco Chagas. Os pés e as mãos transpassadas do Salvador era dispostas heraldicamente no brasão. Surgindo, porém, a dificuldade de representar a chaga do lado, introduziu-se o costume de desenhar um Coração ferido, aberto por uma Chaga, ocupando o centro do brasão. Por cima do Coração dispuseram-se as duas mãos traspassadas e por baixo os pés igualmente com os sinais das Chagas.

Eis a primitiva representação do Coração de Jesus; eis o primeiro passo para o advento que doravante irá crescendo de dia para dia.

Pela porta da Chaga do costado, pela deliciosa avenida aberta pela lança do soldado a alma penetra até ao Coração de Jesus. Mas quem mergulhará naquele imenso abismo de amor, quem desvendará os mistérios ocultos, as inefáveis ternura desse Coração amante?

Só aquele a quem o mesmo Coração se dignar revelar-se. E foram precisamente duas filhas de S. Bento, Santa Matilde e Santa Gertrudes, ambas do mesmo mosteiro, de Helfta, as primeiras privilegiadas a quem Deus concedeu a graça singular de penetrarem os arcanos insondáveis do Coração de Jesus.

No Livro da graça especial (Revelações de Santa Matilde) e no Arauto do amor divino (Revelações de Santa Gertrudes) veem consignados os extraordinários favores do Sagrado Coração às duas confidentes de Jesus e confidentes uma da outra.

Estes dois livros, muito divulgados após a morte das das santas, acenderam o fogo da devoção ao Coração de Jesus, cujos abismo de amor infinito as almas agora conheciam.

Só, porém, quatro séculos mais tarde é que a devoção ao sagrado Coração chegará ao seu apogeu, escolhendo Deus como instrumento dos seus amoráveis desígnios uma filha da Visitação – Santa Margarida Maria Alacoque – e um membro da Companhia de Jesus, o venerável Pe. Cláudio de la Columbière, diretor da Santa.

Santa Gertrudes (Mosteiro de Villa Mayor)

A instituição da festa do Coração de Jesus e as manifestações e hinras públicas ao mesmo divino Coração estendidas pelo Papa à Igreja universal, à instâncias de Santa Margarida Maria, não são mais do que um complemento e confirmação dos princípios estabelecidos por Santa Gertrudes. Paray-le-Monial é o esplendor magnífico de um sol que tivera seu despontar em Helfta.

Ao calor e à luz deste sol, a devoção ao Coração de Jesus foi crescendo mais e mais sob múltiplas formas(1ª Sextas-feiras, Apostolado da Oração, etc.) até ser gloriosamente coroada pela consagração do mundo inteiro ao divino Coração, autorizada e mandada por Leão XIII, a instâncias da vidente, superiora do Bom Pastor do Porto, Sóror Maria do Divino Coração.

Descritas já resumidamente as fases pelas quais passou a devoção ao Coração de Jesus, tempo é de volta a Santa Gertrudes e determinar a influência por ela exercida na expansão de tão salutar devoção.

O sofrimento é um dote de noivado com que Jesus costuma presentear as almas por ele escolhidas para suas esposas amadas. Assim o significou um dia o Senhor a Gertrudes, do modo seguinte.

Com toda devoção do coração oferecia ela a Deus todos os seus sofrimentos físicos e morais, quando Jesus lhe tocou a vista esquerda com o anel da mão esquerda, símbolo da dor física. Logo a seguir a santa virgem sentiu uma viva dor naquela vista que nunca mais voltou ao seu primeiro estado. Este procedimento do Senhor fez-lhe compreender que o anel é o sinal das bodas nupciais, como só sofrimentos corporais e espirituais são o sinal infalível da eleição divina e dos desposórios da alma com Deus4.

Se de Moisés se dizia que falava com Deus como de amigo para amigo, de Gertrudes a Jesus pode dizer-se que se entretinham mutuamente com a familiaridade e a intimidade de esposos. Entre Jesus e sua amada estabeleceu-se como um verdeiro noivado preparatório para uma sólida e íntima união de místicos desposórios.

Leia-se, por exemplo, esta comovente e doce página do livro das Revelações5: 'O Senhor Jesus apareceu um dia à Santa e pediu-lhe o coração. Dizendo: «Minha filha, dá-me o teu coração». Logo ela lho ofereceu com alegria e pareceu-lhe que Jesus o tomava e o aplicava ao seu Coração sagrado sob a forma de um tubo que descia até à terra, para sobre os homens derramar profusamente os eflúvios da divina Bondade. Disse-lhe depois o Senhor: «Doravante eu porei as minhas delícias em me servir do teu coração. Ele será o canal que, saindo da fonte viva do meu Coração sagrado, irá derramar torrentes de consolação sobre os que se dispuserem a receber estes eflúvios, isto é, recorrem a ti com humildade e confiança»'.

O coração de Gertrudes era débil, fraco, doente. Por isso ela quase se envergonhava de oferecer tão vil presente ao seu Amado. Mas o Senhor reconfortou-a, dizendo-lhe: «Eu sinto maior alegria em receber o teu débil coração, oferecido com tanto amor, do que se recebesse qualquer outro cheio de força e robustez. É assim que, nas mesas dos grandes senhores, põe-se, de preferência a um animal doméstico, um javali selvagem, muito tempo perseguido pelo caçador, porque suas carnes são mais tenras e têm um sabor mais delicado»6.

Senhor do coração de sua amada, Jesus vai agora imprimir-lhe os selos que o tornarão inviolável, que lho consagrarão para sempre.

Era o dia da Purificação de Nossa Senhora. Gertrudes estava retida no leito, por uma grave doença. Repassava ela na mente as graças de que em tal dia, nos anos anteriores, tinha sido favorecida e começa a entristecer-se por naquele ano se ver privada da visita do céu, quando a Santíssima Virgem lhe apareceu e a consolou nestes termos: «Não te lembras de ter sofrido dores tão violentas no corpo. Pois bem; anuncio-te que meu Filho te reserva um presente valioso, como ainda até hoje não recebeste. Estes sofrimentos corporais foram-te enviados a fim de te preparares dignamente para tal graça».

Consolada com tão magnífica promessa, a Santa esperava ansiosa o que o seu Amado lhe tinha reservado para aquele dia. Imediatamente antes da procissão das velas recebeu a sagrada Comunhão. Durante a ação de graças, 'enquanto estava atenta à presença de Deus dentro de mim (são palavras textuais da Santa), eu vi a minha alma, qual cera brandamente amolecida sob a ação do fogo, apresentar-se diante do peito sagrado do Senhor, como diante de um selo, cuja marca devia receber. De repente eu vi pousar esse selo divino sobre minha alma que foi então introduzida nesse tesouro sagrado onde a plenitude da Divindade habita corporalmente para ali ser marcada com o selo da resplandecente e sempre tranquila Trindade'7.

Da mesma forma Jesus vai imprimir no coração de sua amada as suas armas divinas e reais, os seus sagrados estigmas, vai feri-la com a seta do amor, significando assim o seu domínio absoluto sobre aquele coração.

Passou-se este fato um ou dois anos depois do que a Santa chama sua 'conversão'.

Santa Matilde instruindo Santa Gertrudes

A serva de Deus dedicava uma sincera e ardente devoção às cinco Chagas de Jesus Cristo. Para as honrar costumava repetir muitas vezes uma oração que dizia assim: 'Ó misericordiosíssimo Senhor, gravai no meu coração as divinas Chagas por meio do vosso Sangue precioso, a fim de eu poder ler nelas, ao mesmo tempo, as vossas dores e vosso amor', etc.

O anel é o símbolo da aliança; e, como tal, não pode faltar nas uniões místicas celebradas entre Jesus e as almas. O divino Esposo traz em seus dedos, segundo uma visão que ele se dignou favorecer sua serva, anéis enriquecidos de pedras preciosas – símbolos dos sofrimentos corporais e espirituais que as almas generosamente lhe oferecem. Em troca desses anéis, Deus confere às almas outros bens mais preciosos – as suas graças e consolações.

Gertrudes recebeu-os de modo visível e admirável. É a própria quem o refere nos termos seguintes:

'Um dia, repassando no meu espírito os vossos benefícios, comparei a minha dureza com esta divina ternura da infinita superabundância que me enche de alegria e cheguei a este excesso de presunção de Vos censurar por não terdes selado a vossa promessa pondo vossa mão na minha, como soem fazer os que tomam um compromisso'.

'A vossa bondade sempre condescendente, querendo satisfazer meu desejo, disse-me: «A fim de acabar para sempre com as tuas queixas, aproxima-te e recebe o meu pacto».

'Logo, do fundo de minha baixeza, eu vi que, com vossas duas mãos, me abríeis o vosso Coração sagrado, arca da divina fidelidade e da infalível verdade e me dáveis ordem para nele introduzir minha mão direita, não obstante eu ser tão perversa que à semelhança dos Judeus, buscava sinais e milagres'.

'Fechando então esta abertura do Coração onde minha mão ficou presa, Vós me dissestes: «Eu te prometo conservar íntegros os dons que te confiei. Se a sábia disposição da minha Providência visse privar-te dos seus efeitos por algum tempo, eu me obrigo a dar-te depois o triplo em nome da omnipotência, da sabedoria e da bondade da Santíssima Trindade, em cujo seio vivo e reino, verdadeiro Deus, por todos os séculos». Depois destas palavras tão ternas, retirei a mão que saiu ornada de sete anéis, um em cada dedo e três no anular'8.

A Santa, humilde e confundida, foi um dia ter com Matilde, outra esposa predileta de Jesus, e depois de lhe ter comunicado as graças insignes com que Deus a favorecera, pediu-lhe que consultasse o Senhor acerca das maravilhas nela operadas pelo divino Amor.

Acedendo ao pedido, Matilde pôs-se em oração. Apareceu-lhe então o Senhor Jesus, como um Esposo cheio de graça e encanto, mais belo do que as miríades de anjos e ornado de um vestido verde franjado a ouro. Trazia pelo braço direito, estreitamente apertado ao peito, aquela por quem Matilde orava, de tá maneira que o coração da santa virgem parecia unido à ferida de amor do Coração do Senhor. Por sua vez, Gertrudes trazia, do braço esquerdo, bem apertado contra si o seu Bem-amado.

Admirada do que via, Matilde pediu ao Senhor a explicação da visão. Então Jesus respondeu-lhe: «A cor verde dos meus vestidos franjeados a ouro, representa a operação divina que germina e floresce com vigor nesta alma. Vês seu coração fixo na ferida do meu lado? É que eu a uni a mim dum modo tão incomparável que, a todo hora, ela pode receber as influências da minha Divindade»9.

Um esposo encontra consolação e prazer em comunicar à sua esposa as suas tristezas e alegrias. Não há segredos entre os dois. Assim procedia Jesus com a sua amada.”





NOTA: Santa Gertrudes de Helfta será celebrada amanhã, dia 16 de Novembro.



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1 João XIX, 34

2 Dom Louis Gougaud, OSB cuja obra – Dévotions pratiques et ascétiques du Moyen âge – foi utilizada para elaboração o presente parágrafo, faz notar que a narrativa (verídica ou lendária) da aparição de Cristo Crucificado a D. Afonso Henriques, contribuiu muito para propagar a devoção às cinco Chagas.

3 Sirvam-me de remédio as cinco Chagas do meu Deus.

4 Livro III, cap. II.

5 Livro III, cap. LXVII.

6 Livro III, cap. LVIII.

7 Livro II, cap. VII.

8 Livro II, cap. XX.

9 Livro I, cap. XVI.







FONTE: opúsculo, em formato PDF, obtido do blog Alexandria Católica, Vida de Santa Gertrudes, P. B. Alves Ferreira, Coleção “Opus Dei”, XI Vol., Edição da Revista “Opus Dei”, Braga/1932, Cap. III-Os Segredos do Coração de Jesus, pp. 46-60 – Texto revisto e atualizado, e destaques acrescentados.

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